Nossa Terra
Como água do oceano eu meu vou,
E como ela aqui regresso.
Na orla branca de um sonho sem cor,
Na terra da ordem e do progresso.
Eu me viro à minha maneira,
Sobrevivo em lugar qualquer.
Mas minha terra verdadeira
É a da cerveja e da mulher.
Não sou ninguém, nem de ninguém.
Não faço nada que valha a pena.
No quarto escuro. Aqui também
Estou na terra da vida alheia.
Passo os anos assim sozinho,
E mesmo assim não tenho idade.
Não sei seu nome, nem sei seu hino,
Pois essa é a terra sem identidade.
De onde todos planejam fugir,
Sonhando com um lugar melhor.
A qual todos odeiam, e têm de fingir
Dizendo aquilo que sabem de cor:
“Eu sou feliz, tenho amigos,
A vida é boa para quem arrasa.
E enquanto Deus estiver comigo,
Seu coração é minha casa.”
E quando olha para si próprio,
Não sabe pelo que procurar.
Não sente amor, só sente ódio,
Da terra em que precisa morar.
E nas ruas vazias transitam pessoas,
Que não mudam nada no final.
Não respiram fundo, vivem à toa
Aqui na terra do carnaval.
E aqui nessa terra há muito morta,
Só o que faço é observar.
O ser humano que toma conta
Do que há entre o céu e o mar.
E os dias cinzentos transcorrem,
A música triste ainda a tocar.
Enxergam-se os olhos e não podem
Nem trocar um bom olhar.
As mãos se apertam sem se conhecer
Os carros passam no sinal vermelho
No dia-a-dia dessa vil rotina
Onde não há tempo pra sentir prazer,
Onde não há tempo pra seguir conselhos
Onde um abraço muda sua vida.
Aqui mesmo onde as memórias se esquecem,
O que é ter esperança.
Onde a felicidade dos que a merecem
É um sonho que ninguém alcança.
E eu penso se a vida deveria ser assim,
Feito um filme que ninguém quer assistir.
Uma filosofia que nunca tem fim,
E que depois não te deixa dormir.
E porque mais nada parece importar?
Só você e o inexistente momento
Do tolo ímpeto de querer amar
E abandonar o pensamento.
E quem sou eu, e quem sou eu?
Estou perdido em qualquer canto.
Suspirei fundo quando choveu
Na terra onde não há pranto.
Na terra onde tudo é contido,
Onde as angústias são desvairadas
No doce cantar de uma palavra,
Que há tanto tempo perdeu o sentido.
Na terra onde a tarde é dia, a manhã é noite e à noite é tarde demais.
Onde a polícia é bandido, o político é corrupto e os filhos não tem pais.
Onde a venda é colocada, a faca é atirada, e não se paga pelo que se faz.
Na terra onde todos são estranhos, a fumaça se alastra, e a cortina nunca cai.
E continuo aqui apesar de tudo,
Porque essa é a minha terra.
Porque das porcarias desse mundo,
Ela é a mais bela.
E aqui vivo nessa terra,
Na terra da ordem e do progresso,
Na orla branca de um sonho sem cor.
E como ela aqui regresso,
Como água do oceano eu meu vou.