Celular

Como é bom sair sem aparelho celular:

Não medimos o que somos; quem precisa salivar?

Deixamos sentimentos irrisórios no poder;

Provamos que quem compra é quem precisa se vender.

Seria melhor se esconder debaixo da mesa de bar

Que pedir somente água e não ser tão "pop star".

Mais distante do momento é saber nunca perder —

Bem melhor que olhar pr'o céu e não saber o que fazer.

O aparelho celular nos expulsou do compromisso,

Pois dizemos onde estamos,

Dizemos que não vamos mais.

Pela riqueza, o ser humano é bem quisto;

Por não ser mais tão humano;

Por fazer comerciais.

Há tempos, capacetes e viseiras não nos dão mais proteção —

São memórias, "outdoors" e tanto amor em contramão.

Existe algo mais errado que dever não-se-despir?

Existe algo mais errado que dizer o que vestir?

Vestimos este bom sapato,

Vestimos outro bom cigarro

Tão felizes por bom grado

Por não sermos tão otários.

Ainda bem que os marcianos desistiram do fiasco

De descer aqui na Terra e tomar café gelado.

De tão dignos, chegamos ao ridículo.

De tão límpidos, chegamos ao espirro

Dado pela alergia ao normal tão anormal

Dado por desgosto à velha tribo do jornal.

Parece absurdo pedir à vida que ela viva.

É mais que só tortura ter a mente sã, vazia,

Por sabermos que há limites e atalhos às esquinas.

E, depois, vêm as empresas com "Teatro e Sinergia".

Somos peixes revoltados sob um mar de covardia,

Somos pássaros criados em viveiros de mentira

Ou macacos amestrados que só usam fantasias.

E tem bicho até contente por sentir a maresia...

Se for para gostar de Carnaval, por que tratá-lo só como cerveja

Que se abre num boteco, num mercado, faz-se brinde, bebe-se à mesa?

Malditos costumes aos quais nos acostumamos.

Malditos alienados que só vivem reparando

No azar de quem compara e não compra,

No sufoco de quem cria e nada contra

As correntes dos poderes,

A derrota dos saberes

Sem apego ao salivar,

Sem ter medo de nadar.

Tornamo-nos ditadores de nossa própria decadência

Ou meros assessores do prazer(,) da indecência.

Onde foi parar o real valor das águas

Que tingem de azul o chão, o céu e o mar?

Agora, nós brindamos sangue ralo às escadas

E, nele, nos postamos sem saber nem solfejar.

Ser pequeno é fácil por não ser necessário crescer.

Ser grande é simples por não ser preciso crescer.

Esquecemo-nos de nosso dever de ser honestos e remédios

Por valor à abordagem do saber, do ser concreto.

Haverá o dia do querer sem mais querer

E dos jogos de palavras do alpiste do saber.

Desde que queiramos dar ouvidos às lembranças

E não mais às paredes, que nos rendem à inconstância.

Caio Trova
Enviado por Caio Trova em 30/07/2010
Reeditado em 11/08/2010
Código do texto: T2409024
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