Essa minha complexidade digital

Neste universo digital e repulsivo, onde posso fingir ser quem quiser,

Onde a hipocrisia é liberada e posso mentir a mim mesmo,

Lugar que sou ligado por um cabo a milhões de pessoas,

Não tendo tempo de me ouvir, nem de me conhecer...

Todo tempo de me conectar e navegar na rede,

Rede de ninguém, onde sou todas as tendências, todos os filmes,

Os vídeos e as lendas urbanas e os posts e-mails e os tweets...

Todas as redes de relacionamentos, informais e abundantes...

Ah... Essa relação de aparência, que eu amo e me reflito.

Quero armazenar todos os gigabytes de puro lixo complexo,

Poemas que não dizem o que sinto, nem que se importam,

Músicas que não cantam meus sonhos, nem me dizem coisa alguma,

Mas eu as quero, por serem como eu, vazias e solitárias, e esquecíveis...

Quero ouvir meus gemidos, e medir minha tristeza em decibéis,

Ver a projeção holográfica do vazio da minha alma...

E conversar online com pessoas que nunca verei,

Apenas para não me sentir sozinho... Fuga absurda de mim mesmo.

Destruir esse aparelho microcomputador, ironicamente maior que eu,

Deslogar minha vida da internet, onde consigo ser, sentir e estar em lugares que nunca irei,

e não esperar ansiosamente, por recados de gente que nem sei se existe...

Morder com minhas presas, a pessoa que amo,

E arrancar dela um pedaço de carne, e sentir seu gosto

Com o correr do sangue, perceber que ela é real,

Em carne, osso, ego e erros...

Ser eu, apenas, ridículo, incompleto e melancólico,

A verdadeira forma decadente e cheia de preconceitos

Egocêntrica, egoísta cheia de medos, e única e exclusivamente:

Humano!