Pés sujos e descalços
Venha de onde vier.
Seja de qualquer lugar da imensidão de meu país.
Ou de qualquer lugar de minha pátria: a Terra.
Fale qualquer língua, vista qualquer trapo.
Pode estar com as vestes rasgadas e com a pele manchada, machucada.
Pode ser branco, preto, amarelo.
Pode ser homem, mulher, criança.
Pode ser alguém da vizinhaça ou alguém de muito longe.
Pode estender a mão, pedindo por um pão. Ou simplesmente deixar um chapéu no chão, ao seu lado.
Pode implorar por ajuda, por pão, por amor de um irmão.
Pode sorrir, arreganhando os dentes podres.
Pode chorar, com a mão no rosto de vergonha.
Pode se sentir um nada.
Ou simplesmente ser tratado como nada.
Pode receber esmola, ou um olhar de piedade.
Pode receber um pouco de solidariedade.
Pode ganhar um lar e com outros ir morar.
Pode sofrer violência e apanhar até na cara.
Pode também bater com força, apenas para conseguir um pedaço de pão.
Pode ser cuspido e também cuspir de revolta.
Pode reclamar da vida e sofrer por suas imensas feridas.
Pode sentir tristeza e revolta, pode gritar por todos a sua volta e mesmo assim não ser ouvido, não ser visto.
Pode chorar de desespero, pode acenar, pode até morrer.
Pode simplesmente viver sua existência na miséria, implorando por um lugar, por um mundo em que pudesse ser gente.
Pode pedir com as mãos sujas, com os pés descalços, com os cabelos despenteados e pela vida maltratados.
Eles, sejam quem for, pode estar em qualquer lugar.
Mas, em nenhum lugar são realmente vistos como pessoas.
São vistos como coisas, trapos ambulantes.
Mas, mesmo assim essa gente maltratada segue em frente.
Vão seguindo por ruas imundas e escuras.
Vão implorando por pão, por dignidade, por amor.
Vão buscando aqui e ali, procurando um olhar, um lugar, uma esperança.
E quem os vê pode até pensar: pobres coitados!
Mas, mal sabem, que não são eles os coitados.
Quem os vê passar podem até dizer: pobres miseráveis!
Pois, que não tenho pena de quem implora na rua por pão, por amor e por vida. Por eles, tenho respeito e um sentimento de imensa compaixão.
Eu tenho pena é de quem os despreza, de quem os humilha, de quem os chama de coitados e de miseráveis.
Pois, que os coitados e os miseráveis somos nós, já que nada ou quase nada fazemos para espalhar no mundo um pouco de justiça.