CIVILIZAÇÃO MARCIANA
Vou falar das coisas pelas coisas,
Não das que vivi,nem das que sonhei.
Vou falar das que são minhas mas não tenho,
Das que vejo mas não sonho.
Vou dizer da prestação da vida,
De como pagamos a cada dia
Um pouquinho de nossa sobrevivência.
Vou abrir o fichário do homem público,
Do homem envenenado pelo tédio,
Acostumado ao vício das repartições.
Cinema - parque - cachorro-quente
Um lagarto verde
No meio de um deserto amarelo
Olha para um sol vermelho
E a noite torna-se cinza
Num painel em preto e branco.
Um homem reza:
"Senhor,tornai este mundo justo!"
UM outro pede esmolas
E mais um outro sente ódio,
O ódio da carne psicológica,
Da massa de nervos controlados.
Semáforo - desaforo - fórum
Uma águia rosa
No meio de um céu violeta
Olha para o lagarto roxo
E a noite torna-se azul
Num painel em branco e preto.
Um cachorro magro e doente atravessa a rua,
Em uma hora estará morto.
O desespero das bicicletas tentando emagrecer,
Um homem armado de mentiras vende um produto milagroso.
Feira - esteiras - pílulas
Almoço no parque,
Volta no jardim,
Crianças e sacolas brancas de plásticos,
Formigas organizadas e flores despercebidas.
O homem no bar pede uma cerveja,
O prêmio por um dia de trabalho,
Depois a casa,a mulher e a reclamação rotineira.
O único consolo é a tv,
A novela diária das tragédias alheias.
Chuva - guerra - assalto!
Um olhar contrário
De misticismo e mistério
Do espectador notário
Num painel em branco e preto.
O homem pula,
Agora é com ele!
Passa a cena da revolta,enoja-se
E o ódio vence a carne.
Arma-se,contrata segurança,ameaça
O outro no trânsito,assustado
Dispara para a sua proteção.
Busca Deus no domingo,
Segunda-feira sente-se em paz.
Máquinas - homens - paredes
Transformam dentro do quadro
O lagarto em um dragão
E a águia em símbolo raro
Nos painéis da maldição.
O mundo frenético desacelerando o ritmo do tédio,
O homem acostuma-se ao envenenamento urbano.
Um menino pede no farol.
O homem sente um pouquinho de pena:
"Poderia ser meu filho...
Poderia,mas não é!"
Fecha os vidros,acelera e sai.
Contente por ser um homem comum.