Você teria coragem?

Você teria coragem

De derrubar uma árvore,

De sacrificar um carneiro,

De jogar cocô

Nas águas limpas

Do mar-oceano?

Você não faz

porque é bonzinho,

Mas alguém faz

Por você.

Você teria coragem

De expulsar gente da terra,

De tocar fogo em mendigos,

De trazer escravos da África?

Você não faz

porque é decente,

Mas alguém

Faz por você.

Você teria coragem

De perseguir marginais

De metralhar inimigos,

De jogar bombas em cidades?

Você não faz

porque é da paz,

Mas alguém

Faz em seu nome.

Você teria coragem

De promover o desemprego,

De aumentar os impostos,

De jogar pessoas na clandestinidade?

Você não faz

porque não é poderoso,

Mas alguém

Faz por você.

Porque a humanidade

é assim:

Um fogo de brasas baças,

Que queima

Sem iluminar

E mancha a todos,

E toca a todos,

E a todos vai

Queimar.

Você teria coragem

De ser carrasco,

De executar o bandido,

cortar a sua cabeça,

Disparar o fuzil,

Passar a corda no pescoço,

Injetar nas veias o veneno letal?

Você não faz

porque não tem maus bofes.

Mas alguém faz por você,

E recebe salário,

E dorme tranqüilo com o dever cumprido.

Porque a humanidade é assim,

Um conjunto desconjuntado,

Em que cada um faz o que lhe parece direito

Ou o que o mandam fazer.

Você teria coragem

De morrer sem morrer,

Renunciar, dar a outra face,

Abrir mão, doar o seu tempo à terra,

Dividir as suas posses,

E possessões e ganâncias,

Sem olhar para trás?

Você não o faz,

E isso ninguém fará por você.

Porque a humanidade é assim,

Conjunto de bocas e de olhos,

Estômagos insaciáveis,

Voraz voracidade,

Feroz ferocidade,

Veraz veracidade,

Cidades e campos fatais.

E os homens são assim,

Entre o ódio e a santidade,

São a possibilidade

De felicidade.