O VELHO LAMPIÃO APAGADO


Relembrando momentos
estudantes atentos
percorrendo porões
e velhos casarões.
Sepulturas lampejam-me à mente
mal dormidas noites frias
corpos caídos como cães doentes,
estremecidos, largados, delegacias escondidas.

ABCD cadê você?
Foí aí que aprendemos
amargas lições,
desde greves fidedígnas
a interrogatórios delirantes
e prisões...

O suor me rola em pêlo!
Pelo sentido que persigo
na vida, liberdade, meu abrigo.
Meu peito é forte,
as correntes é que são fracas em seu elos.
Meu coração semeia ao sul
e planta ao norte.
A alma do meu melhor amigo
foi degolada pelos coronéis fantasmas.
Minh’alma admira estrêlas
desafia a noite
e duela com a morte.

Meu grito é imensidão
é o coro de toda América.
Não suporto humilhação
nem labaredas de fogo,
viajo e luto em comunhão,
incendiando aldeias e atirando mísseis
e faço meu próprio jogo:
chamas em revolução!

Ilusões que nos enganam
interrupções que se emanam
sacrifícios, óperas e canções.

Quisera eu seguir o vento,
percorrer a rapidez do tempo
soprar forte aos furações
e escolher entre as cabeças,
aquelas a decepar
quais a envelhecer,
a história continuar
nosso ideal, sobreviver.

Ah! Felizes primaveras
em que ainda tínhamos esperanças de melhores dias.
Ah! Dias de quimera
nossas cidades repletas de crianças

As plantas no quintal
palavras em minha boca, mel na laranjeira
e sonhos, como Antero de Quental.
Poemas saindo "à louca" e sob a lua
nós, amantes, caindo à esmo em ribanceira,
orgasmo envaidecido... carnaval!

Balanças deixadas ao tempo,
candeeiros apagados, sofrimentos,
estações sem trilhos,
circundados elementos,
valsas, cirandas, espartilhos,
telex, locomotivas e rolamentos,
enferrujam-se ao relento.

Relembro o velho lampião do meu avô, apagado,
jogado no celeiro.
E ele, fumando cachimbo, fiel companheiro!


“escrito em 1978, nas dependências das"Faculdades Oswaldo Cruz" , em plena ditadura militar.”
Wildon
18/08/2006