Propagas

Eu percebo que sua atitude me retalha,

Mas minha situação não impede que eu aceite,

O gentil gesto, no resto de tuas migalhas,

Mesmo que o seu olhar ainda me rejeite...

~

Eu bem que queria agora um cigarro,

Um pito apenas, para esquecer o despojo,

Comendo de teu lixo, sei que pareço bizarro,

Isso se percebe, na sua cara de nojo...

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Pois às vezes me negas o que tens sobrando,

Preferindo jogar ao lixo, para que eu não possa juntar,

E quando o reviro, lá está seu olhar me desdenhando,

Mas te peço perdão, pois preciso me alimentar...

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Por que a dor da fome ridiculariza o homem,

Que perde o orgulho, ao ter que mendigar,

Pois até a vergonha e a hombridade somem,

Nestes retratos, que ninguém gosta de enxergar...

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Estou nas ruas, mas ainda não me encontrei,

Pois há muito tempo, eu me perdi no mundo,

Sei que até num trapo, eu me transformei,

Mas o pior é ainda ser taxado como vagabundo...

~

Pois saiba que junto ás latas que tu joga nas ruas,

Também colho todo o papelão jogado pelos becos

E o pouco que ganho, é das sujeiras suas,

E não pense que eu não chore, por ter os olhos secos...

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Você não pensou, que talvez me faltara a oportunidade,

E não analisou, se sou ao menos sou inteligente

Só porque para seus padrões, estou fora da conformidade,

Pareço humano, mas para você nem todo humano é gente...

~

Não te importa que me falte teto, se está chovendo,

Se as ruas se alagam, e ratos saem dos bueiros

Não te importas ao me ver aos poucos morrendo,

Mas eu tento lutar, e para viver encontro meus meios...

~

Eu sei que o pão é sagrado, assim como é a semente

O homem também deveria, sendo ele a imagem de Deus

Mas mesmo assim, sinto-me por vezes impotente,

Ao ter que mendigar diante os olhos teus...

Marco Ramos
Enviado por Marco Ramos em 03/06/2005
Código do texto: T21762