TSUNAMI

Olha, seu moço

já virou rotina

esse papo de chacina.

Isso é coisa que eu ouço

desde os tempos de menina

quando eu era direita,

bonita, e moça feita.

Quando as vozes do morro

imploravam socorro

nos ouvidos surdos

dos homens mudos,

os chamados "doutores"

que faziam horrores

inclusive vistas grossas

pra certos assassinos.

E nas raras vezes

que entravam na favela

nos passavam em revista,

nos chamavam de cadelas

mandavam fechar a boca

e só abrir pra comer

o senhor sabe, o quê...

Olha, seu moço

nunca tive diamante

mas era ajeitada e limpa,

limpa por dentro e por fora,

era bonita e elegante

tinha mais dentes que agora

tinha motivos pra sorrir

e até uma cama pra cair.

Hoje só caio na real

sem direito a aviso prévio

sem direito a tropeçar

primeiro nos meus sonhos.

Tá difícil, seu moço...

Sem trabalho, dou trabalho.

É barra segurar a onda

quanto mais toda a maré.

Então vou morrendo em vida

afogada em tristezas,

afinal...

nadar contra a Tsunami, quem quer?