POESIA CUBANA DE RESISTÊNCIA - Quatro Traduções

Apresento, abaixo, quatro poemas publicados na Revista Islas, Volume IX, Número 4, Out.Dez/1967, da Universidad Central de Las Villas, Santa Clara, Cuba, organizada por Samuel Feijóo, por mim traduzidos.

IMORTALIDADE

(Manuel Navarro Lima – tradução: Goulart Gomes)

Enquanto possa mirar-se teu rosto destruído

e sobre ele erigir-se uma lágrima forte;

enquanto possa a luz, tão tua, contemplar-te

iluminando o fausto derradeiro e tua fronte

ainda não será toda a morte

senão um pouco de morte...

Nada mais que um pouco de morte!

Quando levemos teu ataúde nos ombros

e na casa quedem chorando as mulheres

e chorem os homens a dor infinita

de perder-te...

ainda não será toda a morte

senão um pouco de morte...

Nada mais que um pouco de morte!

Quando já estejas debaixo da terra

em vermes e poeira convertendo-se;

quando já estejas coberto de água negra

imerso na sombra para sempre...

ainda não será toda a morte

senão um pouco de morte...

Nada mais que um pouco de morte!

Quando os que hoje te choram e os que, tristes calam

ao ver como tem caído teus estandartes verdes

amanhã não recordem tua juventude radiante

nem o claro frescor de tua presença alegre...

Então, sim, será toda a morte!

Toda a morte!

Mas se estás decidido, de cabeça erguida

a derramar teu sangue de forma dolorida

e morres batalhando para libertar o Homem

dos frios grilhões que o ferem...

Ainda que já estejas caído...

Ainda que já estejas inerte...

Para ti não haverá a morte!

Não haverá morte!

---------------------------------------

MANHÃ

(Regino Pedroso - tradução: Goulart Gomes)

Como forjamos o ferro, forjaremos dias novos.

Suados e fortes

desceremos às profundas

e arrancaremos de suas entranhas novas conquistas.

Ascenderemos às montanhas

e o Sol nos encherá de vida:

seremos pedaços do Sol!

Forjaremos outra vida, grandiosa e humana;

a eternizaremos com um potente e unânime esforço.

E sob o olhar virgem dos amanheceres,

cantaremos à força criadora do músculo

e à harmonia fraterna das almas

Muitos,

e seremos só um.

Para o grande canto solo teremos uma voz.

Cantaremos ao ferro,

à beleza forte e nova da máquina.

à bigorna, aos tratores

que violam a terra em cúpula mecânica;

à turbina, ao dínamo;

à fuga infinita dos trilhos

- sistema nervoso de aço por onde circula a vida.

Os canais de luz dos cabos elétricos

- células cerebrais do mundo,

onde vibra a força.

Cantaremos ao ferro, porque o mundo é de ferro.

e somos filhos do ferro.

Mas estaremos sobre a máquina.

Um sentimento novo surgirá em nossos peitos

e será tão imenso

que para amá-lo a terra se transformará em um coração.

Aonde estará, então, nossa amargura?

Aonde estes dias miseráveis e inválidos?

Como forjamos o ferro, forjaremos outro século.

Coroados de júbilos,

os novos dias ver-nos-ão

musculosos e fortes, desfilar ao Sol.

Veremos os campos, as cidades e as oficinas:

cada instrumento de trabalho será como uma arma:

- uma serra, uma chave, um martelo, uma foice -

e ocuparemos a terra como um exército em marcha,

saudando a vida com nosso canto unânime!

---------------------------------------

SANDINO ESTÁ CHAMANDO

(Rosa Hilda Zell – tradução: Goulart Gomes)

Nesta hora em que dizemos versos

(meia-noite ou manhã: sabes quando?

meia-noite de ontem: tu sabes quando!)

nesta hora em que dizemos versos

com metade da alma em outra parte,

esperando,

espiando,

advinhando

o temos dos pélagos perversos

porque um barco está soltando sua amarra

háa uma voz quieta que está chamando

mais alto que a tua, está chamando

por nós, também, está chamando

Sandino está chamando.

Sandino está chamando: já é manhã

mas ainda não é ontem. (Tu sabes quando...)

O que não é, é hoje. É a manhã

vermelha e negra. É um dia que já foi

e, contudo, não é. Primeiro do ano,

9 de abril ou 26 de julho,

um barco, o negro mar está cruzando.

Não diga versos já, que está chamando,

com sua voz profunda, está chamando,

por nós, também, está chamando:

a Liberdade, irmão, está chamando,

e se chama à Glória ou à Morte

não importa. Ouve: é sua voz, e está chamando

---------------------------------------

LA HABANA UM DIA

(Nivaria Tejera – tradução: Goulart Gomes)

Um dia

minha glória atingirá a Manchúria...

um bom dia

povo meu

tu crescerás sobre o mar...

logo, um dia

os trabalhadores felizes pensarão em sua cidade

inventarão rampas infinitas

parques transparentes

para que as crianças corram

por espaços livres

indiferentes aos ruídos da cidade

à impaciência da cidade...

Um dia

minha cidade

te cansarás

dessa rigidez estranha

dos dominadores...

(Minha cidade de La Habana

manietada

não se assemelha ao mar

não se assemelha ao céu

nem à terra

nem ao fogo

não parece a minha ilha

despojada

serena

nem ao ser insular

natural

sorridente)

Um dia

minha cidade...

o mar te cobrirá

crescerá sobre ti

o mar...

E teus trabalhadores

te construirão no mundo