REFÉM DA SOLIDÃO

Isso não é teatro,

É, de fato,

Uma moça morta na garagem

Fazendo a última viagem,

Descalça, sem sapatos,

Como um porta-retrato

Da nossa falta de coragem...

Linda, bela, querida, amada,

É só uma senhora de 70 anos

Exposta na calçada,

Sacola de feira esparramada,

Daquele legume verde, vagem,

Última viagem...

É, sim, o filho do Seu Serafim,

Amigo de infância, de boteco,

Aquele que tocava reco-reco

Na nossa escola de samba,

Andava sumido, será onde anda?,

Aparece feito notícia,

Fugindo de polícia,

Ali, estendido, largado,

No jornal abandonado,

Cara de zanga...

Será que tá tão perto assim,

Da menina na escola, de você, de mim,

Que entra pelo portão e sabe a nova senha,

Que ri de nós, desdentado, desdenha

Da nossa contrição, se aboleta no saguão,

Vem desarmar o que não anda armado,

Nosso coração tão machucado,

Réfem da nossa própria solidão.