DULCE
Ela gostava do amargo da vida; bebia em goladas.
Uma catarse de dor, mágoas e gim.
Subia a ladeira todo dia, embriagada de lágrimas,
suor, beleza, tédio e tristeza,
cabeça baixa, acenando sim para o chão.
Gostava dos perigos, café forte e bom charuto,
pimenta malagueta e fino baseado sob o viaduto.
Tinha vício de ser quem não era;
destemperado linguajar, garras de fera.
Eu na janela, ensaiava um bom dia...
Curiosidade de saber suas histórias,
ser camarada; instalar-me por suas memórias,
mas a ladeira, deixava tudo abaixo...
O sonho sem beira, o socorro profundo;
cada passo moribundo fazia mormaço
que ela cismava gostar,
como gostou daquele moço das tardes,
que lhe traía de colo em colo; descarados
prostíbulos e mesa de bar.
Vagabundo prometia coisas; geladeira,
manicure, batedeira e um barraco feito lar.
Ela devolvia sorrisos, embrulhados em panos
de prato, saco de pão e cheiro de mato.
aprendeu sexo vulgar...sem carícias, sem afagos.
Foi majestade e uma qualquer; em seu leito.
Até a noite que entre tragos, flagrou o safado.
Metade dele ficou no asfalto, a outra no peito,
onde carrega um colar de contas descascado
entre o azul e o tempo,
e em algum momento, enquanto sobe a ladeira,
difícil imaginar que seja uma mulher que mata;
pois assim chorando como menina, há que se ver
o tamanho da dor que insiste assombrar
aquela que inventou ser
não sendo...
pronta para amar.