DULCE

Ela gostava do amargo da vida; bebia em goladas.

Uma catarse de dor, mágoas e gim.

Subia a ladeira todo dia, embriagada de lágrimas,

suor, beleza, tédio e tristeza,

cabeça baixa, acenando sim para o chão.

Gostava dos perigos, café forte e bom charuto,

pimenta malagueta e fino baseado sob o viaduto.

Tinha vício de ser quem não era;

destemperado linguajar, garras de fera.

Eu na janela, ensaiava um bom dia...

Curiosidade de saber suas histórias,

ser camarada; instalar-me por suas memórias,

mas a ladeira, deixava tudo abaixo...

O sonho sem beira, o socorro profundo;

cada passo moribundo fazia mormaço

que ela cismava gostar,

como gostou daquele moço das tardes,

que lhe traía de colo em colo; descarados

prostíbulos e mesa de bar.

Vagabundo prometia coisas; geladeira,

manicure, batedeira e um barraco feito lar.

Ela devolvia sorrisos, embrulhados em panos

de prato, saco de pão e cheiro de mato.

aprendeu sexo vulgar...sem carícias, sem afagos.

Foi majestade e uma qualquer; em seu leito.

Até a noite que entre tragos, flagrou o safado.

Metade dele ficou no asfalto, a outra no peito,

onde carrega um colar de contas descascado

entre o azul e o tempo,

e em algum momento, enquanto sobe a ladeira,

difícil imaginar que seja uma mulher que mata;

pois assim chorando como menina, há que se ver

o tamanho da dor que insiste assombrar

aquela que inventou ser

não sendo...

pronta para amar.

Mirea
Enviado por Mirea em 20/01/2010
Reeditado em 20/01/2010
Código do texto: T2039733