Rotina de vida

Rotina de vida

Te encontro todos os dias

Na porta da escola, nos bancos, das lotadas

A espera do nada, rotina aloprada

Na mente, ainda tens tardes vadias

Te vejo apressada, cara lavada,

Vais para onde, tão preocupada?

Derrapas na curva do pensamento

Te encontro meio aloprada.

Este mês, ainda não, menstruada,

Pernas e mãos cansadas,

Pudesse uma vez ir na balada

Dar na vida, uma total guinada...

Roupa desbotada, sapatos gastos

Cabelos quebradiços, com caspa

Dentes sem aparelho, ao natural,

Espiando as bancas, de jornal

Na fila do mercado, das “vans” lotadas

Nesta rotina violenta e desgraçada

Corre! hora do almoço, refeição

Colar de novo, o umbigo no fogão

Os filhos querem almoçar

Engana um pouco o patrão

Chega atrasada de novo

Na certa outro descontão

Volta para casa, criança mau criada

Sujou o chão, limpou, usou, esfregão

Logo a pia está cheia,

Menino grita: onde está minha meia?

Marido chega embriagado, cara feia!

Nas vitrines dos “shoppings” do sonho

Ela experimenta outro bermudão

Fez as contas, depois de tanta prestação

Não tem jeito, se me envergonho

Corro de novo, está bom o meu sonho.

Tem jeito não, tanta prestação

Roupa nova só mesmo, se nos dão!

Não compra nada, fica a pé, cara lavada

Na conta bancária, não resta nada

O extrato do cartão é uma salada!

Socorro, comida estragada, só resta o feijão!

Pula da cama de madrugada

Saudades do tempo que era amada

Lembranças da adolescência cedo acabada

Revolta de não ter sido preparada

Rotina outra vez, entra mês sai mês,

De manhã comprar pão francês

Levar criança para a escola, atrasada,

Mais uma vez, reclama o patrão

Começa tudo de novo, feira, fogão

Marido zangado, sem trabalho

Filho sujo, sem banho, mau criado

Marido grita: Quebra meu galho!

Me empresta algum,

Não tem resposta,

Vida difícil, que ninguém gosta

Daqui a pouco, chega mais um!

O tal remédio desta vez falhou

Não foi? Faltou pílula na cartela

Esqueceu de fazer a tabela

Assim não dá para sair da favela.

Às vezes a encontro na porta da escola

Cara lavada, roupa amassada

Cabelo despenteado, olhar cansado

O menino pela mão também atrasado

Na fila do hospital

Volta para casa, sentindo-se mal

O tal doutor foi para outro hospital

Dos ricos que podem pagar

Ela faz mais feijão, tem jeito não

Se foje do sonho, desiste da vida

A criança logo será recém nascida

A vida continua cada vez mais sofrida.