GADO HUMANO*
Mesa parca,
cama farta,
assim no barracão
de D. Marta.
Matos adentrando,
sertão/Nordeste.
Uma récua miúda
de duas meias
dúzias de curumins
ela pariu. Frio
Deus o dá pra gente,
só conforme a roupa.
– Deus me levou três,
depõe D. Marta.
O marido da pobre,
uma toupeira quadrada:
só quis no mundo
fabricar filharada.
Mas competente
nas artes de roçar,
atear fogo e arar
as terras do amo.
Depois, erigir no verde
verdejantes plantações.
Isto seja, quando chove.
“Nosso patrão sempre
g a v a o meu cumpanhêro...”
- faz D. Marta.
Seu Bil, ou Severino,
como foi no batismo,
deve de jamais ter ouvido
falar de latifúndio.
Diligente,
ninguém isto descarta,
é em parir gente
a camponesa D. Marta.
O que ela, Seu Bil,
os rebentos de cobrir
de chapéu e ninguém ainda
desconfiou nem descobriu
é que todos eles são reses,
gado braçal e serviçal
dos donos da gleba
semifeudal.
(Outubro de 1996)
Fort., 19/09/2009.
(*) Transpus para o Nordeste
a cena que vi e a conversa que
ouvi de uma camponesa, mo -
radora à beira de uma estrada
erma de Goiás. Gostei do seu
verbinho “gavar”, no sentido
de gabar, elogiar. Um "prego"
no nosso ônibus nos propor -
cionou o papo, quando nos
dirigimos ao barraco a fim
de termos informações so -
bre onde teríamos um po -
voado mais próximo e pa -
ra alguns da caravana to -
mar água. D. Marta foi uma
fineza de pessoa, como an -
fitriã, enquanto seu marido
dava duro na roça.