Ode ao José Carioca

Acorda! Que está na hora, já afirma o despertador. Mas, que modos de se levantar! Que modos deste maldito te chamar, tal e qual o patrão. Ah, se fizesses com o ele o que pensas de teu chefe, aí, adeus hora, adeus emprego, sabe-se lá o que mais.

Desperta! Direito é só dormir um pouco e olha que tu não

labutas na obra noturna do Metrô. Acaso sonhastes? Não te iludas, é só fantasia. Se te perguntarem, nada digas (podem rotular de revolucionário). Descansar não é para ti. Mas, rapaz que ousadia pensar em descanso, já não te basta o domingo?

Levanta! Ou melhor, fica de pé, não te esqueças que és

Bípede; socialmente diferente dos primitivos, embora

saibas que às vezes seria melhor ser quadrúpede animal que

ser gente bípede.

Joga! A água no rosto; tira o quebrado da cara e a remela

dos olhos, para os dentes tem ainda o sabonete, pasta só

aos domingos pra beijar a namorada. E em jejum enfrentas a rua a caminho da batalha, pegar o trem prá Central ou virar sardinha no ônibus cheio, com tantos é tão difícil...

Correndo! Da poça d’água, da lama que te jogam e

Na qual querem te colocar. Teimoso escapas da água, do

frio, no escuro ainda... (galo cantou, mas o sol ainda não despertou).

No claro, dos cobradores, assaltantes, meretrizes, vendedores etc. é... como tu corres José... (como teu primo José, do Drummond de Andrade). E ainda dizem que não exercitas, imagine se... na condução, braços gesticulam e o corpo todo ansia por um lugar em que possas manter o equilíbrio, nem que seja o físico.

Há música, ah, sim, tua vida tem música do inseparável radinho de pilha, como a TV dos outros, também tem seus comerciais, e anunciam liquidação que não podes perder (a Impecável Maré Mansa), de outro lado, as cadernetas querem retirar teu último tostão, pois, há que se poupar...

O jeito então é entrar na do compositor, com samba, pois, esta tua vida é de (corda) bamba... fazer como o Ciro Monteiro, ir fazendo o ritmo na caixinha de fósforos.

O jeito é cochilar no ônibus, ainda não é proibido, pois, se sentado, cai ou caem no teu ombro; se em pé, pisam-te, te espremem contra a mocinha, e ai de ti se for aquela coroa ou um forte negão...

Entre pontos e sinais tentas levar o teu papo típico, és presunçoso José, senão o jeito é torcer para passar o tempo, talvez o trânsito melhore, afinal para que tantos viadutos? Mas, quem tu és para propor soluções? Quem decide não anda de coletivo, bem sabes, que só utilizam para outros fins...

De relance, dás de frente com o Profeta Gentileza escrevendo em uma das pilastras do viaduto do Gasômetro. Ele parece feliz e eu?

Entre vírus, bacilos, fumaça, odores mi... ofegante dos suores teu e dos companheiros de viagem, haja desodorante para todo esse povo, pensas alto. E a saúde, será que está tão bem quanto a poupança?

Decerto que não, mas nem reparas, se ficar “russo”, aí bicho, manda para o P. S., é como se faz com as coisas que ficam a necessitar conserto, lá tem fila, mas, nada se cobra...

Não tens nem coragem de te ver em andrajos, daquela última compra (Pernambucanas), faz tempo, e as coisas ficam gastas no tempo, precisam renovar como a tua paciência, e olha, nem sabes que a tens, pois, inconformado a perderia também...

E entre engarrafamentos, empurrões e freadas que acomodam, sabe mais o que? Ainda pinta aquele pozinho da fábrica de sabão português, dos gases da Refinaria de Manguinhos, do Gasômetro e do Canal do Mangue, que te fazem chorar, tossir, espirrar, como nada fez em tua vida passada e repassada...

Chegaste na hora, enfim conseguiste. Tempo para rápido cafezinho na Central, olhada na manchete do Dia, uma fezinha no milhar. Agora trabalhar, depois lanchar... depois, tudo de novo... O sufoco da volta, hoje talvez vá de trem...

E o salário para todo este esforço? Sabes que não compensa, porém, fazer o que? Voltar pro Norte, não está nos planos, aliás, ele precisa ir ao Correio, prá enviar o dinheiro pra Doralice e os meninos. Se sobrar algum vai de geral ver o Fla-Flu no Maracanã e soltar o grito preso, no peito.

Quando acordarás para a vida, hein José?

AjAraújo, homenagem ao "E Agora José?", do genial Carlos Drummond de Andrade, Setembro, 1976.

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