Última fotografia

Esse flash

Essa luz de azougue

A captar rapidamente a imagem e a expressão

Tuas mãos atadas a segurar sentimentos soltos

Seus olhos melancólios

Dependurados no abismo

Quem diria que todo cenário,

Que toda a indumentária

E um certo sorriso de canto

De boca

Seriam tão pungentes

Quem diria que um único cristalizado instante

Poderia revelar umbrais esquecidos

Diariamente

Meninos famintos e dormindo no chão

Igual a cão sem dono

Prédios a quase desabar

Portas gemendo a dor

De ver passar tanta gente

E o tempo lhe corroendo pelos cupins

Estavas com um ar grave

Como se aspirasse oxigênio feito de chumbo

O sol não o banhava como sempre

Era sombrio e pálido

Ao invés de brilhante e dourado

E diante do clic

A eternidade negra impressa pela luz

Revelaria clarezas contidas

no cotidiano

Fotografia

Escrevo essa sua fisionomia

montada em preto e branco

Ou dispersa em cores como

Falésias a dispersar sob os pés

os caminhos percorridos

A fotografia mostra

uma nesga de sua personalidade

Seus óculos ávidos de visão alguma

E o tempo ávido de eternidade

e imprecisão

Espaços largos e dúbios

Lastros perdidos em mares revoltos

Um botão desabotoado

Uma boca fechada como

Se calasse a dor de haver sido

Tudo aquilo além do que imagem pode

Apenas resvalar...

“Nunca ninguém se perdeu, Tudo é verdade e caminho.”

Fernando Pessoa

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 19/08/2009
Reeditado em 21/02/2010
Código do texto: T1763408
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