Alegoria da Tortura

ALEGORIA DA TORTURA

(para todas as pessoas que foram torturadas)

Pancadas/telefones/paus- de- arara/

Escalpelaram-lhe a cabeça

Lixaram-lhe o rosto.

Sem cabelos e sangrante

Chorava lágrimas ardidas e ardentes

Quando um tapa quebrou-lhe o nariz

Um soco arrancou-lhe os dentes

Tenazes descolaram suas unhas

Sob as quais farpas haviam sido enfiadas...

Estalados os dedos das mãos,

Estendidos os polegares

Em terrível ângulo impossível

De se imaginar...

Choques, estupros...

Vendados os olhos

donde lágimas de sangue

Escorriam,levaram-na

-a essa pessoa

até então, considerada sempre , por todos,

muito boa,

potencialmente promissora

e alegre como os pardais-

a uma praia deserta, na madrugada

mas para ela , a quem a luz estava negada,

noite alta...

Então, arearam seu corpo

No papel de algozes, todos os homens acabam

por tornar-se criativamente maus

-e em carne viva tornada,

deambulava

e balbuciava sua inocência...

DESOLAÇÃO

CONFUSÃO

INSOLAÇÃO...

Agora , abandonado para morrer em sofrimento

Num cruz invisível,

Empodera-se na própria revolta.

Reúne os cacos do instinto de sobrevivência,

Bebe da água salgada poluída embora,

Em goles mínimos

E cai no mar para arder

-como se a água fosse fogo.

Sai embalado

Por dor contínua,

Em cantiga de acordar terrível,

Embora precisasse de acalanto...

A dor, além do limiar da consciência

...Caminha vestida de luz solar, secatriz

ela inteira, uma imensa cicatriz,

essa pessoa que há pouco era boa e feliz...

Estende-se na areia

E sai de si,

Em estado alterado de consciência...

Tem uma EQM(*)

Mas milagrosamente,sobre/vive

o SAL e o SOL

Curam.

Agora, sob a casca escura

Deixa a seiva vermelha

Circular em todos os seus caminhos

E os foles dos pulmões feridos

Suave/mente

Fazerem seu trabalho contínuo...

O coração abalado,

Trabalhar

Ritmadamente

A seu favor...

E E*S*P*E*R*A

Cravado de espinhos...

Quando a enorme escara

Contínua

Estiver sarada

Sob o casuloprotetor,

Secados os fétidos humores

A pele será devolvida, reconstituída

fina e lisa, qual a dos recém nascidos...

Então ela, essa pessoa nascida boa e alegre,

Torturada além de sua compreensão,

Sairá de si, onde hibernava

Sem inverno algum

E seguirá,

Septo nasal ligeiramente torto,

Dentes recapeados por alguma tecnologia

Odontológica

Cabelos cacheados a crescer livre/mente

Para o milagre

De retornar à VIDA, para VIVER

E perceberá então

Que asas imensas

Nasceram em suas espáduas

E que AGORA poderá VOAR...

(*)Experiência de quase morte)

Declamada nos saraus de Estalo, a revista e editada na Antologia Roda Mundo, Roda gigante,org.por Douglas lara , Edit.Ottoni.Nela agreguei várias histórias que ouvi nos Anos de Chumbo, quando era repórter da Gazeta Comercial, de Juiz de Fora, MG

10/08/2003-BH/MG