SEM ÓDIO, GENERAL*
O sono terreno dos ditadores
Foi sempre cheio de desassossego.
Ah, eles nunca dormem por completo,
Num clima de paz, nem tranquilamente.
Morto, agora, no chão da eternidade,
General Pinochet, vai ser um duro
Terdes que enfrentar a vossa barra.
Lá, no Além, dizem, grassam os fantasmas,
Visagens, sombras e almas penadas.
Quem perseguiu, mandou bater, prender
E torturar e fuzilar a sangue
Frio deve ter contas a pagar,
Lá em cima, e contas infindáveis.
Ponde barbas de molho, general.
Em particular, eu, a mim, pessoa
Física, nunca vós fizestes nada.
Ainda bem, os Andes pelo meio.
Porém a vossa fama de ruim,
General, varou essa cordilheira.
Vossa ruindade atravessou as águas
De Isla Negra, derrapou na boca
Do mundo... Ai de vós,vil general!
A ruindade não paga as velas, choro
De meia dúzia dos vossos gorilas.
Os vossos lambe-botas dão quinadas.
Tristes “perros” anãos do chão chileno!
Neruda, Violeta, Gabriela...
Mil cânticos de glória e liberdade.
Ó meninos de Santiago, Chile,
Inocentes infantes sem depois,
Façam silêncio rijo, bem profundo,
Que o general Augusto Pinochet
Está morto, tão bem completamente,
Morto no seu profundo sono infindo,
Quiçá curtindo, já, cruz infalível.
Dele, do general cruel, não tive
A tortura na pele... Seus vassalos
Não me apontaram mudas baionetas.
Mas como dói, por cá, no nosso Atlântico,
Tal, além, no Pacífico, o punhal
No cerne das nossas fundamentais
Liberdades, roubadas aos latinos.
Porque também bebemos anos podres,
Doeu-nos a nós repressão brutal,
Ao longo dos brutais “anos de chumbo”.
Tantos anos de sangue e fogo, tanta
Tortura ainda a nos calhar na alma
Altiva e coletiva das Nações.
Por tudo, e mais, general Pinochet,
Impune ditador destas Américas,
Não me leveis a mal nem a pior.
Sem ódio, sem rancor nem compaixão,
Só o Grande Infinito vai julgar-vos
As penas, conforme tão sanguinária
A vossa tão monumental ruindade.
Até mereceis tratamento diverso, general!
- Cá, na terra de todos, já pimpão,
Você foi um estorvo o mais completo.
Sem ódio, lá em cima, vá! Quem sabe...
Morto, agora, completamente morto,
Você é “mandamás”, no pé da História.
(Dezembro de 2006)
Fort., 30/05/2009.
* * *
* Texto perdido na memória do micro, feito à
época do passamento do general Pinochet, só
neste sáb., 30/maio, resgatado. Peço minhas
desculpas a quem me lê, se fui irônico e/ou
desrespeitoso à memória do ditador chileno.