LAÇOS (1ª versão)

(Conto em versos)

I

Ela acaricia o abençoado ventre,

sonha com o filho ainda em semente

a desbravar destemido o mundo inteiro,

conquistando fronteiras, lindas mulheres,

espaços vastos, incontáveis vitórias

influente, heróico, cercado de glórias,

pássaro, corcel, leão, vento, sol...

livre, forte, poderoso e fundamental!

II

Gritos, contrações e o orgulho da mãe

por dar ao mundo o mais belo dos varões.

Mas assustadora é a exiguidade humana

diante das tramas sombrias do destino!

Eis que falta uma das pernas no menino!

Desesperada ela sente tochas de fogo

atingirem seu espírito e o corpo todo!

E o filho poderoso e fundamental como o sol?

E as conquistas heróicas, glórias e vitórias?

À madrugada entra secreta no berçário

e troca por outro perfeito, seu menino aleijado.

Lindo, dourado, tal um anjo pelo céu enviado!

III

E a locomotiva desgovernada do tempo a trilhar...

IV

Ela arranca de suas mais profundas possibilidades

demonstrações de amor pelo filho inexato

mas os pensamento a levam para o outro, enjeitado.

Arde pelos dias infindos a febre do remorso

enquanto cresce pouco a pouco o filho falso.

Valente e temido líder das rodas do bairro,

belo, robusto, sedutor, poderoso, marginal...

rouba, espanca, estupra,não poupa rival!

A violência do filho dói como furos de punhal

cravados no ferido peito maternal!

Vidas de mãe e filho fervilhando num inferno

de drogas, assaltos, estupros e chacinas...

polícia, perseguições, refúgios em alheias piscinas...

V

Ela protege a falsa cria como se verdadeira fosse

a compensar a loucura cometida, a ferro e foice.

Mas a polícia por mais uma vez em sua porta

surpreende o filho que no momento do tiro

agarra-se à mãe pelo pavor enlouquecido.

Ela recebe as balas em seu lugar e cai a gritar!

Ao som angustiante da sirene da polícia

por jorros de sangue desvanecida

chega ao hospital já desfalecida.

Sem dinheiro, a contar com a caridade.

Caridade do melhor médico da cidade...

Toda a madrugada entre vida e morte,

mas sobrevive por um golpe de sorte!

VI

Sobre o leito, sonolenta,

depara-se com o doutor salvador.

De sua noite de sangue, o sol...

Feliz, poderoso e fundamental

a apoiar-se em muletas

pela ausência da perna direita.

Ela capta rastros de sua juventude

no rosto que examina a papeleta.

Lágrimas manam pelas sofridas faces!

Não, não há como duvidar-se,

o próprio destino promove os enlaces!

Mãe e filho juntos, sem disfarces...

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 14/05/2009
Reeditado em 12/10/2010
Código do texto: T1593815
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