O Trem e o Plebe
É tão fácil explorar um pobre trabalhador!
Quantas vezes eu terei que confessar meu sentimento
de inconformismo, de rebelado, de verdadeiro plebe?
Enquanto o pobre trabalhador come o duro pão com suor
as empresas de transportes fazem levantamentos;
fazem reuniões para aumentar as conduções; fazem reuniões
para melhorar o funcionamento, mas isso não acontece
na periferia e gastam milhões e milhões em reformas
– mas não reformam áreas menos favorecidas –
e ganham o dobro que gastam em pouco tempo.
(Não condeno isto. É justo. É certo)
As empresas têm que crescer, se fortalecer e empregar mais funcionários e
chegar aos menos favorecidos financeiramente.
Enquanto em Calmon Viana a condução da CPTM
é um e vinte e cinco centavos
de Real, no Tatuapé é um e sessenta centavos de Real.
Eu não poderia pesar a situação que meus olhos sabem ver!
Enquanto a Estação de Calmon é um "lixom" feito de madeira,
sem cobertura que parece mais o faroeste pronto a cair...
Uma visão deprimente! Porque parece o faroeste abandonado.
Até os trens estão envolvidos:
Têm vendedores, têm senhores, têm bandidos,
têm senhoras, têm trabalhadores, têm perdidos...
Até o solo onde se pisa no trem é remendado com madeira.
Não quero contar os dias de chuva que alaga para valer...
Trem não passa!... Os usuários parecem peixes no rio, molhados,
mas molhados com águas barrentas com mijo de rato;
com cheiro de merda e carniça.
Enquanto no Tatuapé tem cobertura,
têm criaturas bem trajadas, de belo porte andando por todos os lados.
(Isso eu desejo para todos, até mais),
mas o bilhete unitário é o mesmo valor do metrô:
um e sessenta centavos.
"Não sei o porquê, é a mesma empresa" - diz uma funcionária.
Para quem paga um e vinte e cinco, são trinta e cinco centavos a mais,
então, contando ida e volta, são setenta centavos.
Contando vinte e quatro dias de trabalho no mês, dão dezesseis reais e oitenta centavos.
– Sorte que o trabalhador só volta do Tatuapé –
Mas isso não é nada para o empresário, porque ele ganha
fortunas e fortunas por dia, imaginem por mês? Por ano?...
Enquanto o pobre trabalhador poderia
comprar leite e mistura para sua família.
Nos furtam com astúcia porque dizem:
"O trem que vai de Guaianazes até o Brás é o novo e importado,
então, é justo o preço exigido, sem dizer que o Tatuapé
é um bairro mais nobre, tem condições de pagar."
Eles não sabem quantos pais de família necessitam deste meio de transporte,
porque eles não têm automóvel para se locomoverem.
O trabalhador que ganha bem não merece pagar a mais
porque recebe mais e o trabalhador que recebe menos
não merece acompanhar os gastos de quem recebe bem.
O preço deveria ser justo, mas a gente vai reclamar para quem
se o dono dos trens é rico, tem poder e faz aquilo que o convém?
Não merecemos ser usurpados!
Mas nos exploram na cara dura.
Então, vem um trabalhador alienado
que trabalha comigo lado a lado
dizendo que possui um livro de boa leitura,
que a mensagem é positiva;
dizendo que nós temos que crer e ver positividade em tudo.
Só poderia ser um escritor norte americano!
Os que comandam nossa vida lá na América do Norte...
Acho que ele nunca passou fome ou necessidade.
Quem irá ajudar àquelas pobres criaturas
que pedem no farol, no ponto e que ninguém lhes dá um conto?
E ainda dizem que eles que preferem viver naquela sepultura...
O outro diz que lá nos EUA as casas são feitas de madeiras...
Não se comparam as mansões dos EUA!
Porque as madeiras são roubadas da Amazônia e ainda são as melhores do mundo.
Dizem para eu abaixar a cabeça e me conformar
porque problemas assim ninguém solucionará,
mas assim eu li no livro das Sagradas Escrituras:
"Não se conformeis com este mundo".
Eu creio! Porque este lixo está imundo,
está podre, fétido, mórbido, leproso e sem cura!
As passarelas são remendadas como se fossem os barracos
das favelas onde moram "os novos escravos".
Enquanto isso, um soldado jovem larga seu posto,
tira a sua farda de flanco e fica do lado oposto
com as armas induzidas e dadas pelos ricos,
para serem usadas contra eles mesmos
– porque os soldados tornam-se serpentes traidoras –
contra os trabalhadores que do mundo são as flores,
mas que são tratados como os espinhos,
como ervas daninhas...
Mas as verdadeiras "comigo-ninguém-pode"
estão pilotando o nosso trem, o trem que é usado por nós.
Querem ver horrores? Olhem os trabalhadores que dormem
por tenuidade dentro do trem;
para os filhos de faces derrotadas,desarvoradas,
alucinadas por cola, por cocaína, por crack e maconha.
Virou moda!
Muitos entram na roda!
Que coisa medonha!
(Tudo isso dentro do trem e na periferia)
Porque eles não têm diversão, não têm lazer.
E os seus míseros centavos são gastos no fliperama
para acalmar a mente – é uma diversão – que inflama ao ver um rico
com um carro importado pisando na grana com sua fama
e ainda fazem deboches, piadas com os pobres e,
estes mesmos por grande tolice vão aos estabelecimentos
dos nobres se divertir, gastar o que não tem,
o que não possuem, enquanto o rico ri mais e mais na tv,
nas ruas, em casa do tolo que é levado pela moda rica
da tão assoladora mídia.
Nesta manhã de domingo eu fui assaltado
e nem impuseram arma de fogo no meu peito,
porque eu paguei a mais no trem que é um lixão.
Quando desci na Estação de Ferraz havia lama no chão,
doenças poderiam ser transmitidas, mas quem se importará?
Afinal quem ficará de cama serão as mesmas vidas
que sustem os trens, os pobres sem poder;
pequei um ônibus; por dentro estava podre,
sujo, enlameado, que horror!
Senti nojo de morar aqui!
Ah! Ah, quando fazemos greve! Coitadinhos de todos nós!
Somos tachados como loucos, bastardos, pixotes,
peraltas, vadios, ladrões, injustos, torpes...
Que rico saberá o que é matar um rato a punhadas dentro da própria casa?
Não sabem! É lógico - lá é tão limpo e dedetizado...
Mas a prefeitura não vem aqui no subúrbio fazer sua obrigação.
Lugar sujo e podre porque fede às nossas próprias merdas!
E por que eu denuncio?...
E por que eu reclamo?...
E por que eu não aceito?
Porque as merdas dos poderosos também passam por aqui;
porque eles são mais ratos do que os ratos daqui,
pois os roedores que por aqui circulam roubam sua comida,
mas somente o necessário;
mas eles não! Eles roubam até desmaiarem, até terem convulsões.
Tanto egoísmo... tanta soberba... tanto poderio...
tanta crueldade e maldade...
Tanto descaso... tanta concupiscência...
tanto desamor... tanta injustiça...
E no fundo de todo esse lodo podre há um restinho de amor,
porque se o amor não existisse ainda, nós estaríamos consumidos.
Sucumbidos já estamos, mas temos amor.
Então vamos!
Vamos em frente e ser o que somos.
Vamos lutar quando for preciso.
Vamos nos rebelar quando for preciso.
Vamos chorar quando for preciso e a hora que quisermos,
afinal é um direito de todos, porque até Jesus chorou.
Vamos nos alegrar.
Vamos nos entristecer.
Vamos cair com a certeza de poder nos levantar.
Não vamos comer estrume porque sabemos que bolotas
são feitas para os porcos e os porcos vivem na pocilga
com os seus próprios estercos.
Vamos para frente, jamais para trás.
Porque esse trem que foi voltará no seu vaivém
e nós continuaremos perseverantes como penedos firmes.
Não seremos nuvens efêmeras, porque vivemos desde que,
Deus disse "que do suor do seu rosto comerás o teu pão"
e assim voltaremos ao pó com a nossa honra.
15/12/02 7h50min