PÁSCOA, DO OUTRO LADO DA RUA
Na cama da insônia
Perdido em devaneios mundanos,
Carneiros magérrimos me deixam de olhos secos
Perante as atrocidades que assolam, sem compaixão
Crianças sem pátria.
As cortinas dos meus olhos lacram-se abertas
Perante tanta insanidade morando em meus pensamentos
Serei também um verme desse inferno capitalista que impera na terra?
Rolo na cama, carneiros continuam a passar, aos milhões
Chorando de fome, não me deixam dormir
Anseio por ar
Levanto-me e abro a janela
Uma amargura azeda toma conta de mim ao ver
Do outro lado da rua, meninos e meninas
Dormindo no breu das calçadas
Sem um cobertor de carinhos, sem o beijo de boa noite.
Como quem pressente o ausente
Uma criança sai de baixo dos lençóis de jornais
Acena-me sorrindo, e eu...
Engulo um lamento seco
Como juiz, me condeno a mim
Em meu cárcere privado (minha casa)
Por trás das grades da janela, dei-me um castigo:
Velar as crianças perdidas (pelo menos por aquela noite)
Filhos bastardos da mãe-Pátria Brasil
Era Páscoa
Nunca desembrulhei os ovos
Enquanto outros continuam gerando “crianças”
Que são adotadas pelas calçadas do mundo
Rogai por eles.