BÊBADO COM FOME

A fome dói

como dói o traseiro

e os ossos das costelas

no encontro à dura madeira

do velho banco desta antiga praça

A fome dói

no estômago lavado de cachaça

como dói o coração afogado de mágoas

e de saudades dos tempos em que ainda existia

um grande amor que consolava as desditas da pobreza

A fome dói

na cabeça vazia

como queima a cachaça

fabricada sem fiscalização

destiladora de pensamentos sisudos

A fome dói

sem remédio que seria um simples pão

uma banana madura demais para ser vendida

um prato de feijão com arroz jogado no lixo

e um mínimo de consideração pelo homem sobre um cão

A fome dói

mas a cachaça apaga

os sentimentos que podia ter

a vontade de parar de beber sem temer

a volta de uma vida sem paz num lar a ruir

A fome dói

a vida doí

o ódio dói

porque vejo ninguém

que sente o que em mim dói