Poentas estradas
trilhava o menino triste e franzino
sem destino em seu destino
tão sujo em seu caminhar . . .

Poentas estradas
trilhava o menino triste e franzino
sem destino em seu destino
tão sujo em seu caminhar . . .

Acordava tarde,
com fome sempre,
e assaltava pomares
ou pedia pão.

(Quantas vezes, enxotado
qual se fora negro cão,
chorava esfomeado,
com vontade
de ter lar). . .

No frio encolhidinho,
tentando aquecer o corpo,
adormecia contando
a si mesmo
estória de fazer menino sonhar.

E que vontade ele tinha de ter
uma mãezinha
que as pudesse contar). . .
Em noites de verão
era melhor.
Para adormecer depressa,
contava as estrelas
fincadas na escuridão. . .

Nos bolsos esgarçados
do blusão que ganhara
numa fazendola qualquer,
seus tesouros guardava,
pedras e botões
carretéis e sementes, tocos de
lápis,
bolas de gude
e tudo aquilo que lhe davam
as poentas estradas . . .

Se pedia trabalho,
desconfiavam de sua sujeira
ou da carinha sonsa
que a vida lhe emprestara . . .

Depois, acostumara-se
à 'profissão' de andarilho.
e um ano, quase inteiro,
passou, transformado em horas.

Um dia, após tempestade forte
que seus caminhos molhou
pisou, descalço que andava
num fio de alta tensão
e teve morte instantânea . . .
E quem passou, viu
espalhados pelo chão,
seus tesouros de menino
sem destino,
sem pai, sem mãe, sem irmão. .

E o pretinho?
Mais pretinho ficara, tão pequenino
que parecia um pedaço de pau
carbonizado. . .
Não sei se o enterraram,
mas sei
que ele anda por estradas luminosas,
agora não mais molhadas. . .

Para a alma do menino,
há carinhos e há pão
não precisava roubar mais,
e nem anda mais sozinho,
tem família e tem paz.

Seus brinquedinhos de estrelas
suas roupinhas de luz
seu rosto limpo e brilhante
atestam esta verdade.
E quem quiser, acredite,
quem não quiser, paciência
que o contador de estórias
nem sempre convence a gente . . .

Clevane Pessoa de Araújo Lopes
(poesia publicada e ilustrada por mim ,em minha página da Gazeta Comercial,de Juiz de Fora,MG,nos anos 60 e declamada como jogral por um grupo de alunos,em meu aniversário).Apesar da palavra "pretinho" não ser hoje considerada politicamente correta eu facilmente pudesse trocá-la por "negrinho",respeito o momento,pois nos Anos sessenta eu tinha minha irmã de criação pretinha,a Pingo,que dormia no meu quarto e era minha confidente.Seu nome é Beatriz,mas nasceu pequeniníssima-era gêmea e o irmãozinho não resitiu.Hoje é mãe de Carlinhos e Carla Beatriz e sou madrinha do primogênito,Portanto,na palavra,há apenas carinho condicionado...Como pintora,sei que não se usa negro para pintar rostos.Eles não são pretos e sim ,com a linda pele em somas de marrons,sapoti,tierra de siena queimada,púrpura,chocolate,café com leite e até azul-marinho...Nos Anos sessenta,eu declamava  um poema onde dizia que "toda alma é qualquer cor".E lembro que o ator Toni Tornado,à época dos Festivais de música  ,antes de começar a cantar BR3,dizia que quando as mãos se encontram(para se cumprimentar)"projetam a sombra de uma mesma cor"...
Mantenho o "pretinho",uma expressão de tal forma carinhosa que  ser chamado assim,no masculino ou feminino,é considerado prova de carinho,intimidade...
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