OUTRA LUA SOLIDÁRIA
A lua apagava estrelas,
tanto no céu a madrugada
era ver um lençol de prata.
A torre da Sé, lá no cimo,
dedo em riste, a contar os presos,
achava ínfima a contagem.
De fato, no clarão das grades,
sós, éramos só dois, somente,
mas, nos fundos, outros dormiam.
O Pajeú – riacho –, cobra
que atrás do fojo rastejava,
era cúmplice e se escondia.
No visor da cela defronte,
um controvertido, o Vicente,
dito “hippie”, ex-marinheiro.
Nacionalidade: uruguaia.
O estrangeiro também se dava
como de ação e ex-tupamaro.
De manhã, copiou-me versos
e jogou-os; eu nem pude lê-los,
que os recolheu o carcereiro.
Mas, o que me tocou profundo,
naquela argêntea noite clara,
não foi o insone, solidário.
O que me mexeu, corpo inteiro,
foi ver a lua solidária,
só, e que nos esperançava.
(Outubro, 1986)
Fort., 21/12/2008.