Águas da vida
Miguel Lucena
Eu quero me molhar na passarela,
Porque hoje é dia de calor.
Se eu canto o canto é pra vida bela
As águas das lágrimas vêm sem amargor.
A minha tristeza é sem pesar,
Não digo a causa da minha alegria.
A festa é hoje e, se o amanhã chegar,
Digam que eu saí sem fantasia.
A água é parca em tanto mar,
Quem dera logo o Brasil chegasse.
Angola é distante, é só chorar:
Muchima dói sem mãe que o acalentasse.
Na dança da perpétua travessia
Morro de sede de beber justiça,
Água salobra da minha agonia,
Vinagre do meu cálice de injustiça.
Na escuridão do porão negreiro,
Somente a fé a me iluminar:
Cortejo Afro me banhando inteiro
Na festa em que senti me libertar.
Tanta água me banha a Bahia:
Kyanda Angola, mama Yemanjá,
Cortejo Afro, águas de poesia,
Bará Ajelu, Oxum e Oxalá.