Anônimo

Tem os olhos escondidos de sol,

a boca cravejada de luas

e de silêncio grande.

- Sabe-se lá de que antiguidade

vem sua voz e seu silêncio.

Tem faces dormidas de rua,

a cabeça de noites ao relento.

Tem pernas-calçadas, pés-asfalto,

botas envelhecidas.

- Às vezes anda descalço...

Tem os dias trovejados de abandono.

Tem a vida envelhecida e manchada das cores incertas.

Tem águas de chuvas anteriores nos poros.

Tem bolsos rasgados de solidão.

Carrega nos ombros um rádio de ouvir músicas de ontem

e no corpo a liberdade insegura

de quem é todo inscrito de margens.

De quem precisa estar fora para pertencer.

- Essa estranha prisão feita de lados de fora.

Um peito de feridas abertas,

a garganta engasgada de flores de outono.

Nos olhos serenos e doídos todos os seus mistérios.

Desvia o olhar quando ousam olhá-lo.

Nada pede.

Nada diz.

Está em todo lugar.

Andando por todas as ruas.

Sentado em todas as calçadas.

Dormindo sob todas as luas.

Invisível aos olhos de todos.