Consciência Negra Em 5 Tempos.

Consciência Negra Em 5 Tempos

1

Corre negrinho corre...

Levanta os pés, levanta poeira,

Voa, voa e voa!

Sob esse céu, inventa,

Pássaro, asas abertas e leves,

Natureza, sol, verão, sobe.

Corre moleque, corre...

Por essa rua de terra,

De ais, sangue e clarins,

Salta vala, pisa capim,

Cuidado: prego, caco de vidro!

A noite não tarda a vir.

Corre guri, corre...

A escuridão não te amedronta,

E sempre com ela te defrontas,

Já há algum tempo, criança,

E tantos hão de passar,

Para te transformares, enfim.

Corre menino, corre...

Sei que vais sofrer,

Solidão tu vais amargar,

Castigos tu vais esbarrar,

Mas levas em teu bojo,

Benfazejo dom de ser feliz.

2

Negro:

Quem te pintou a cor?

Quem te inventou a dor?

Rimas e desalento?

Negro:

Quem te fez pouco?

Quem te atou ao tronco?

Ocioso e marginal?

Negro:

Quem te deu a ginga?

Quem te quer a mingua?

Prisioneiro e sonhador?

Negro:

Mil fugas, Zambi, vais,

Mil preconceitos, guerreiro, cais,

Mil perdões, Deus, também és!

3

Velho sábio,

Cem anos, aniversário,

Silêncio! Silencio!

Abolição às raízes,

Consciência cósmica,

Não branca, não negra,

Amorfa, amoral, apolítica...

Corpo sem cor, sem marcas,

Alma sem dor, sem medo,

Pequeno legado, pedaço de terra,

Coberto de flores de todas as cores,

Em harmonia, novo...

Ah! festa, vida, risos efêmeros,

Espelhos inexoráveis, refletindo

Mente dissolvida, universo alcançado:

Meditando, meditando, meditando...

4

Ó rosa negra,

Quem te originou sem pétalas,

Não foi um simples jardineiro.

Foi sofrimento de escrava,

À chibatada de donos,

À profanação de corpo,

À mama alimentando

A fome de filhos alheios,

À mercê do cio do senhor.

Ó rosa exuberante,

Parida, pura, in natura,

De sêmen libertador,

Sem direitos, mestiça,

Nas fazendas e senzalas,

Tanto tempo, outros tempos...

Hoje és cabrocha e nua,

Mulata, objeto e luminosa,

Alta, beautiful, in outdoor!

5

Olinda, madrinha preta,

Doceira de mão cheia, benta,

Espírita, me benze, passe,

Chá para minhas dores receita;

Incorpora guia: pai Jacó,

Defumador queima, vela acende,

Protege-me, prevê minha sina,

Lê minha mão, tira cartas, joga búzios,

Orienta este ser imaturo,

Neste mundo feito de horror!

Querida madrinha preta,

Perdida na escuridão do infinito,

Que um dia, sem chance, viva

Dormiu... partiu...

Eu que devorava quitutes,

Em temperos deliciava-me,

Da tua culinária, afilhado,

Peço: dá um sinal!

Em que luz no céu estás?

Em que dimensão és feliz?

Pablo Ribeiro

Projeto Consciência e Liberdade

-1888-1988-

Concurso de Literatura

Menção Honrosa: Nono lugar

São Paulo, 20 de novembro de 1988

Bete Mendes

Secretária de Estado da Cultura.