Espelho
Envelheço todo dia, um dia inteiro
envelheço de manhã, tarde e noite
envelheço e o espelho me mostra isto
envelheço na frente, atrás e do lado.
O passado já ficou nenhum tinteiro
nada restou da face nova, doce
que antes tinha, o tempo levou
a juventude do meu corpo e deixou
de súbito enfrente ao espelho
a imagem por inteiro de um zumbi
em metamorfose é o espelho
desordeiro que me mostra o corpo
sem essência juvenil e status de adolescente.
Envelheço toda hora, hora e meia
envelheço dormindo e acordado
envelheço comendo e pensando
envelheço amando, sorrindo, viajando
envelheço poetizando.
O espelho faz questão e mostra-me isto
envelheço porque a imagem é real,
o espelho é real e não mente
e meu corpo coração e mente
tem forca agora decrescente.
O espelho em minha frente
e o retrato em sua mente
cheios de mentiras e verdades,
angustias e alegrias, rancor e covardia
é a náusea do espelho indecente
meu corpo já se sente desnudo.
Envelheço todo dia, a primeira
hora sempre ligeiro
envelheço com ou sem a mulher amada
envelheço no mar, no sol, na lua
envelheço sozinho e acompanhado
envelheço na viagem de ida e volta
envelheço e minha juventude já se solta
e o espelho já me mostra.
Envelheço aqui ou em qualquer lugar
o espelho me mostra já não posso
viver intensamente a vida,
o espelho me mostra, já não tenho
tanta coragem, vejo minha imagem
o espelho mostra, reflete aos outros,
reflete para longe o restos de carnes,
o espelho mostra e a vida ensina.
Envelheço todo dia
envelheço como todo infeliz
ser humano preste a virar
novamente criança e desaparecer
num feto de velhice total
envelheço todo dia
envelheço a face já sombria
envelheço o corpo já cansado
envelheço a mente sem maestria
envelheço na vida e nos sonhos
envelheço sentado na cadeira de balanço
envelheço cantando não sorrindo,
Também nem chorando lagrimas
de velho.
envelheço cantando e canto
porque a eternidade será minha.