Reflexões sobre um banho de chuva..
I.Um dia, em tarde de tranqüilo verão,
Decidi tomar um banho de chuva
Depois do trabalho... E fui para casa
Descalça, na rua... Olhares estranhos
Me olhavam dizendo: “Estará louca”?... Não!
Só quis ser igual aqueles meninos
Que brincavam na rua, descalços, no chão!...
Desce a água da chuva pelos meus cabelos...
Banho suave... Doce sensação
De estar sendo acariciada por tão hábeis mãos...
São gotas de chuva percorrendo meu corpo...
Gostosa, seduz... Chuva de verão!...
Há quantos anos eu não me dava esse direito
De, qual criança, fazer “o que não devo”:
Sentir a chuva rolando em meu corpo
Até cair no chão...
Tive vontade de saltitar pela rua
Sentido a inocência de quebrar uma regra,
Voltar, ser criança!... Terna sensação!...
Desvestir minha roupa e tirar meus sapatos
Sentir a calçada como sendo carícia,
Andar desarmada, chupar picolé,
Ficar lambuzada, cantando na rua,
Ser feliz sem sentir meandros de culpa
Por coisas inocentes que reforçam a fé...
E fazem se ver
Que a Felicidade
Está dentro de nós!....
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II. Mesmo assim precisamos
“andar impecáveis”! As vestes
Nos cobrem! (E destroem dentro em nós
o sentimento de irmãos!)
Afastam pessoas, dividem: “estratos”,
Mascaram a vida em precária ilusão...
Uns poucos se vestem co’os mais finos trapos
Enquanto a imensa e maior multidão
Vive com fome, em seus tristes barracos,
Mendigando trabalho e um pedaço de pão...
A madame só usa sapatos de “griffe”
Combina as cores, renova à estação,
(Enquanto a criança não sabe o que é um bife!)
O seu “quarda-roupa”! Repetir? Nunca! Não!...
... Naquele dia do banho de chuva
Eu me senti criança “matando” a lição!
Mas fui para casa, e pensei: Qual seria
Se meu dia assim fosse; qual reação? ...
Eu optei pelo banho de chuva:
Eu o quis...
É gostosa a chuva num sol de verão!
Mas...
Será que os meninos da rua, os guris,
Gostam da chuva quando muda a estação?...
Será que é bom sentir a geada
Cortando pezinhos e o coração?
E vendo a “madame” toda arrumada,
Negando um sorriso em qualquer atenção?...
A chuva tão boa ali para mim,
Para outros seria... terror, maldição?
Como temos tudo, pensamos que é assim
A vida do pobre, que é nosso irmão?...
- “Ladrão! Ladrãozinho! Pivete da rua!
Sai pra lá, moleque, não sujes meu chão”!...
- Negrinho, branquinho, debaixo da lua,
Tu és e serás para sempre irmão!...
“É bandido! É assassino! Tem que ir pra prisão!”
É simples, tão fácil... Acusar o irmão...
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III. - “Como é teu nome, menino?...”
“Vem cá, e me dá um aperto de mão!”
Mas ele não vem, porque o pobrezinho,
Tem medo de tapa e de algum empurrão...
Cheguei até ele: fui dar-lhe um abraço
E ele fugiu, apertando o passo,
Assustado, pensando; “Estranha situação!...”
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IV. - Que país é este, em que as crianças fogem
De um carinho, um beijo, um aperto de mão?...
Por que eles ficam, nariz na vidraça,
Observando meninos que desperdiçam seu pão?...
Eles são as crianças das poças de lama,
Que, pra mim, outro dia, me foi diversão!...
Por que meu País é injusto assim
Com todo o vivente que é meu irmão?...
Escola, Saúde, Alimento, Afeição...
E ainda falta o Trabalho! A Casa...
Falta:
- Solidariedade, IRMÃO!...
É duro este pensar e este falar...
- Mas a culpa é nossa, também, meu irmão!
Que fazes tu?... O que faço eu?...
“Dia das Crianças”... Tem dó! Chega de aparentar
Que “está tudo bem!” Vamos desmascarar!...
- “Dia da Criança”... Que tristes lembranças
As crianças de rua terão prá lembrar!...
- E se fosse contigo? Com teus filhos, irmão?...
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