Moenda
Gira a cabeça na faculdade,
Gira a moenda do engenho,
Gira a neurose na cidade,
Gira o dinheiro que não tenho.
Gira a esperança no futuro,
Gira a criança no berçário,
Gira o lampião no escuro,
Gira o minguado salário.
Gira o farol na barra,
Gira o homem no poder,
Gira a corda que amarra,
Gira o direito de viver.
Gira o vencimento do aluguel,
Gira o laço do vaqueiro,
Gira a hipoteca do anel,
Gira a falta do dinheiro.
Gira no palco o calouro,
Gira o fogo na mata,
Gira a corrida do ouro,
Gira o corpo da mulata.
Gira os olhos do caboclo,
Gira a seca no nordeste,
Gira a guerra dos loucos,
Gira a fome e gira a peste.
Gira a roleta no cassino,
Gira a mandioca ralada,
Gira o professor no ensino,
Gira a mamona amassada.
Gira no barraco o frio,
Gira a criança andando,
Gira o prato vazio,
Gira a terra queimando.
Gira o bem e o mal,
Gira a corrente da escravidão,
Gira o juízo final,
Gira a chave no portão.
Gira o nosso índio marcado,
Gira o assalto que sofri,
Gira na batida o machado,
Gira o projeto Jarí.
Gira a dependência do pretão,
Gira a Arábia Saudita,
Gira a nossa proteção,
Gira a erva maldita.
Gira a criança rural,
Gira o álcool e a gasolina,
Gira a espera do natal,
Gira a peste suína.
Gira o pobre, gira o rico,
Gira o café na peneira,
Gira a Geni do Chico,
Gira no mastro, a Bandeira.
Gira no corpo o sabão,
Gira a enxada do roceiro,
Gira os calos nas mãos,
Gira o sol o dia inteiro.
Gira o suor no rosto,
Gira no ponteio a viola,
Gira a luta pelo posto,
Gira na calçada a esmola.
Gira no sanatório o maníaco,
Gira o vaqueiro no curral,
Gira o rio São Francisco,
Gira o nosso carnaval.
Gira o martelo no prego,
Gira o carro de boi,
Gira a mente do cego,
Gira a esperança que foi.
Gira o arlequim no salão,
Gira a lua no espaço,
Gira a luta pelo pão,
Gira da cana o bagaço.
Gira a compra na sacola,
Gira a modesta mordomia,
Gira a criança na escola,
Gira o carro chapa fria.
Gira a poeira da mala,
Gira a nossa imprensa livre,
Gira o negro na senzala,
Gira o povo que não vive.
Gira a bola no gramado,
Gira minha pobre mente,
Gira o boi no arado,
Gira a fome desta gente.
Gira o gol do Pelé,
Gira no bar a aguardente,
Gira o homem sem fé,
Gira o coração que não sente.
Gira a missa na igreja,
Gira a verdade não dita,
Gira no copo a cerveja,
Gira a preta Benedita.
Gira a bala do canhão,
Gira a verdade que dói,
Gira a bomba no Japão,
Gira o sertanejo herói.
Gira a semente na terra,
Gira a arma do soldado,
Gira a neblina na serra,
Gira o povo enganado.
Gira o pincel na tela,
Gira o ladrão que fugiu,
Gira na tevê a novela,
Gira a ponta que feriu.
Gira o pó da pedra moída,
Gira o vento soprando no leste,
Gira a sombra da árvore torcida,
Gira a chuva molhando o nordeste.
Gira o grito na campina,
Gira as folhas das árvores copudas,
Gira as águas claras da mina,
Gira a fé, no galho da arruda.
Gira o estalo do chicote que ecoa,
Gira o bloco dançando o congado,
Gira no palco a bailarina boa,
Gira a pedra que amola o machado.
Gira o olhar no horizonte,
Gira o povo que se abraça,
Gira a água limpa da fonte,
Gira o peito respirando fumaça.
Gira na madeira o carvão,
Gira o cheiro da cachaça,
Gira o medo do trovão,
Gira a pedra na vidraça.
Gira os passos na estrada,
Gira a comida nos dentes,
Gira a dívida cobrada,
Gira pra sepultura o valente.
Gira o perdão sem pecado,
Gira o filho que não retorna,
Gira os cabelos arrancados,
Gira o ferro na bigorna.
Gira o imposto arrecadado,
Gira a água no cantil,
Gira o dinheiro desviado,
Gira, gira Brasil.
Não sei se gira ou balança
A estrutura da nação.
Nesta guerra sofrida,
Nesta gangorra da vida
Sem rede de proteção.