REINO SUBTERRÂNEO

Meus olhos enxergam,

No âmago do macrocosmo urbano,

Retas metálicas e flocos de opulenta luz fulgurando.

No âmago do macrocosmo urbano,

Meus olhos contemplam

Sóis cerebrais sob capacetes e mãos em luva

Erigirem vivendas, trilhos, fibra ótica, aluminióticos dutos;

Megastores, metrôs, trens-bala, bélicos hotéis de luxo:

Uma verdadeira réplica subjacente

Do superno mundo vivente

Que continuamente se transmuda.

Contemplo o árduo laborar glorioso destes artífices anônimos

Do viés recôndito da face da vida citadina:

Vejo gente alegre, quacre, tímida, tristonha;

Vejo gente egrégia, cansada, íntegra, risonha;

Vejo gente amarga, acre, doce, incauta e lancinante opala oceânica

[de incessantes lembranças;

Vejo gente que traz consigo imensuráveis caminhos doídos de errância;

Vejo gente montada no dorso auspicioso d’aurora;

Vejo gente que segue o fluxo do córrego da estrada

Longa, sádica, morosa;

Vejo gente se desvanecer para sempre como mais uma presa

Nas garras do renque do empedernido inverno da selva de cimento;

Vejo migalhas de caviar na boca dos moribundos da mental seca,

Amaldiçoados por serem inconscientes de sua iminente falência;

Vejo, afinal, gente. Gente em sua mais sublime e ordinária essência.

Gente fazedora da arcana alameda majestosa:

Onde a couraça da contraluz esconde

O estadão, a florescência arbórea da esmeralda, a tão almejada prata!

Ah, meus queridos vitalícios detentos da antropocêntrica faina,

A vocês, tristemente, minha voz profere sua baldia fala:

Pobre gente. Pobre gente, filha da atroz auréola da desgraça!

Ah, o que sei.

Sei que lá embaixo há todo um universo...

Lá embaixo há toda uma nação de chagas abertas, inflamadas...

Lá embaixo há relíquias, realejos e trovas telúricas na memória...

Lá embaixo há Favelas, Roças, Minas, Bahias, Pernambucos, Cearás

[Paraíbas, Amapás, Brasílias, Curitibas, Corumbás, Linhares,

Itabunas, Restingas...

Lá embaixo o sonho de repisar o chão de sua Terra

Move uma infinita legião de operários eremitas...

Lá embaixo a bruma é lume que sempre pereniza...

Lá embaixo o ocaso prematuro é comensal insone,

Um recalcitrante conviva...

Lá embaixo aflora uma aura em espiral

Que, enleando almas amigas do fugaz retiro,

Quebranta as monumentais geleiras do hermetismo

E edifica a ponte irmanatória da generosa troca de dolentes vivências.

Finalmente, lá embaixo,

Os oprimidos sofrem uma metamorfose formidável:

Eles viram Cézanne, Portinari, Matisse, Oscar, Drummond, Michelangelo;

Monet, Rembrant, Frida, Dali, Cabral, Gullar, Otávio, Van Gogh, Picasso,

Pois com seus pincéis calejados pintam o novo capítulo

Da civilização contemporânea.

Sim, Jorges, Juvenais, Damascenos, Marcos, Antônios, Firminos,

Ricardos fazem vicejar a imponência das novas

Esconsas urbes humanas.

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA