Chuvas de verão

Chuvas de verão

Na mesa era parca a comida

Mas nunca se viu tanto amor num só lugar.

Estendidas no varal roupas coloridas

E no telhado roupas brancas pra quarar.

Vieram do lixão alguns livros

Que adornavam a velha estante

Entre paninhos de crochê e bibelôs de vidro

O sonho de lê-los era constante.

Também tinha uma Bíblia aberta

Diziam que era pra proteger.

Mas como um livro aberto ampara

A quem não o pode ler?

Muita renda a dona tecia

Mas toda a renda ainda era pouca.

O marido cansado volta da lida

E da panela o alento, o cheirinho da sopa.

Os moleques limpinhos e buchudos

Corriam de pés no chão atrás do vira-lata

Estavam felizes os meninos

O pai trouxera balas e goiabada em lata.

No horário nobre se reunia a família

Diante da tevê cheia de chuviscos e fantasmas

A notícia da chuva que viria

Trouxe lhes o medo. Os assombrava.

A noite foi de vigília

A cada gota, uma parte da encosta descia

Quando lhes pediam pra sair resistiam

“Não temos pra onde ir”.Diziam.

No fundo sabiam o que os esperavam

Acalmavam as crianças quanto ao que poderia acontecer.

Os barracos vizinhos já desceram.

A esperança será a última a morrer.

Abraçados e com medo

Esperavam por uma providência divina.

Pediram até perdão pelo pecado

De haverem nascido assim tão desventurados.

Então numa grande avalanche

Os livros a Bíblia e a estante

O vira-lata, a tevê e a família.

Sucumbiram naquela noite que chovia.

E ao vivo noticiaram na tevê

Que aumenta a cada hora

O número de vítimas

E que amanhã ainda vai chover.

Adriana Kairos

Adriana Kairos
Enviado por Adriana Kairos em 17/07/2008
Reeditado em 04/10/2008
Código do texto: T1085125
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