Chuvas de verão
Chuvas de verão
Na mesa era parca a comida
Mas nunca se viu tanto amor num só lugar.
Estendidas no varal roupas coloridas
E no telhado roupas brancas pra quarar.
Vieram do lixão alguns livros
Que adornavam a velha estante
Entre paninhos de crochê e bibelôs de vidro
O sonho de lê-los era constante.
Também tinha uma Bíblia aberta
Diziam que era pra proteger.
Mas como um livro aberto ampara
A quem não o pode ler?
Muita renda a dona tecia
Mas toda a renda ainda era pouca.
O marido cansado volta da lida
E da panela o alento, o cheirinho da sopa.
Os moleques limpinhos e buchudos
Corriam de pés no chão atrás do vira-lata
Estavam felizes os meninos
O pai trouxera balas e goiabada em lata.
No horário nobre se reunia a família
Diante da tevê cheia de chuviscos e fantasmas
A notícia da chuva que viria
Trouxe lhes o medo. Os assombrava.
A noite foi de vigília
A cada gota, uma parte da encosta descia
Quando lhes pediam pra sair resistiam
“Não temos pra onde ir”.Diziam.
No fundo sabiam o que os esperavam
Acalmavam as crianças quanto ao que poderia acontecer.
Os barracos vizinhos já desceram.
A esperança será a última a morrer.
Abraçados e com medo
Esperavam por uma providência divina.
Pediram até perdão pelo pecado
De haverem nascido assim tão desventurados.
Então numa grande avalanche
Os livros a Bíblia e a estante
O vira-lata, a tevê e a família.
Sucumbiram naquela noite que chovia.
E ao vivo noticiaram na tevê
Que aumenta a cada hora
O número de vítimas
E que amanhã ainda vai chover.
Adriana Kairos