Dizer os nomes
Dizer os nomes é emprestar a existência
Existir no nosso e no meu caso é reexistir
Resistir é pegar o mundo dos tios-avós Francisco e Nascimenta
Esmagar-se no tambor carregado da vida e dos dejetos
Por vezes homens enfezados e por vezes mulheres lavadeiras de panos brancos
Reexistir é acompanhar encantado o Bumba dos negros do Manoel Dias
Onde tio Francisco toca a gaita de caule de mamona
Enfeitada com fitas coloridas por serem belas e amuletos da sorte
A melodia de alegria e balança o chão de Serrote do axé do corpo
Os tambores de madeira e cordas retumbavam na batida do coração
Tio Francisco era o negro mais velho e mais belo que conheci
Tio da minha avó, nasceu junto com as montanhas de manganês do Mocambo
Esbelto, alto, olhar altivo, sorriso acorde com as coisas bonitas que tocava
Tinha por mim, um negrinho adolescente, bobo, sem prestar atenção
Na sua sabedoria milenar e festeira, um olhar pleno de bondade
Diferente de tia Nascimenta, sua negra esposa companheira de séculos
Sua altivez e cabeça erguida e seus olhos me diziam o quanto eu era tonto
Pois sim, ela pensava que eu era um inocente por só acreditar que a sabedoria
Só era possível de ser encontrada nos livros e desprezava o conhecimento deles
Tio Francisco olhava para mim com mais condescendência
E sabia que era deslumbrado e um dia iria descobrir o engano
Minha avó ou os visitava com regularidade ou os recebia em casa
E junto com os cafés ouvia as histórias de seus tios
Pois sim, e não é que eu ouvia as histórias de minha avó?
Não percebia que muitas histórias tinham sido contadas por esses pretos velhos
E por esses dias, ao ver as esculturas de dois pretos velhos numa loja de umbanda
Lembrei-me de tio Francisco e tia Nascimenta e de minha avó e meus pais
Está aí!, pensei, em breve serei também um preto velho e já conto histórias
Como tio Francisco e tia Nascimenta
Rodison Roberto Santos,
São Paulo, 01 de novembro de 2023