Saio por vezes recolhendo
Saio por vezes recolhendo
Material para trabalho
Para depois costurar todos
Ou pôr cada um em seu lugar
Pois vou dizer para vocês
Quais os materiais recolho
Um sorriso ali
Um sonho captado ali
Um suspiro ali
Uma dor de pesar aqui
Um pesar grande aqui
Um desejo pequeno aqui
Uma grande frustração ali
Uma coisa deu certo aqui
Algo deu errado ali
Tem também uma timidez
Um desejo de aparecer
Um charme para sedução
Um olhar de soslaio
De admiração
Uma palavra bela
Um gesto de amizade
De alegria ou um
Olhar de reprovação
Busco uma ideia aqui
Uma desideia ali
Um fadinho
Um sambinha
Um andar dançante
Um gritinho de criança
Um chorinho de violão
Ou de menina mesmo
Porque machucou o joelho
Um gosto de comer um bom salgado
Ou de tomar um suculento suco.
Recolho esses materiais aqui e ali
Como o catador de papel
Para encher sua carroça e
Vender no depósito dos
Homens de papel
Pego tudo consegui
Recolher no dia
E não ponho no liquidificador
(Liquidificador quebra tudo
Para juntar por solução, se puder)
Mexo e remexo numa panela de
Barro ou de madeira
Com uma colher de pau
Cheia de água de cheiro
Misturo bem
Mexo a colher daqui
Mexo a mão dali
Mexo e remexo
Remexo e mexo
Se daí sai
Um conto
Uma crônica
Ou o suprassumo
De uma poesia
Terei feito meu trabalho
E não é pouco
Sabe o é ser
Catador de sentimentos
Vivências e humanências
Para pôr umas coisas
Em alguns lugares
E até decorar a vida?
Quando tá tudo certo
Na panela
Depois de mexer e remexer
Remexer e mexer
E se der uma boa
Dizescência
E chegar perto
Do coração de alguém
Foi cumprido o desígnio.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 05 de abril de 2024