OLHA O VENTO MENINA..,
Olha a chuva caindo
O inverno chegando,
O frio está gelando
A Alma está doendo...
Olha o vento a soprar
Desmanchando os cabelos
Preto, louros e de outra mil cores
Que as moças bonitas
Que passam na rua,
Inventaram, ao longo do tempo,
Para ficarem mais lindas...
Olha o vento gelado
Cortando os pés sem calçado
As costas sem roupas,
O corpo moído que dorme estendido
Na esquina da rua,
Não tendo mais nada
Que um pobre jornal,
Cobrindo sua carne
Olha o vendo, menina,
A uivar impotente e medroso
Quando toca o casaco do homem
Que se cobre de peles ao sair de sua casa
E entrar no seu carro.
E, ao voltar para o lar,
Ao sentar-se na poltrona da sala bem quente,
O tomar um uísque,
Ao fumar um cachimbo de fumo estrangeiro,
Comprado a dinheiro do suor nacional.
Olha o vento menina furioso, cruel, desalmado
A fustigar a ciranda dos pobres mendigos.
Da Pobre guria e do pobre guri
Que ainda pequenos, já estão envolvidos
Na batalha da fome, pedindo, implorando
Com água nos olhos, com barro na cara,
Com roupa rasgada, com carnes de fora,
Sem dentes na boa, sem sapato no pé.
Sem saber do almoço,
Sem contar com a janta.
Olha vento, menina, batendo na cara
De que já não tem cara
E por isto não vê o vento a bater.
Olha o vendo menina mimando o cachorro
Que a madame carrega a passear pelo parque,
Preso em fina corrente coberto com manta...
Olha o vento menina a chorar de remorsos,
A pedir, por favor, indulto ou perdão....
É menina .... é que da alma do vento,
Do subconsciente, do fundo de si, soa um lamento,
Um coro de vozes em choro sincero
Uma retratação, uma autocondenação,
Que suplica por penas severas e graves
Que lhe alivie a consciência e lave seus crimes
Olha o vento menina, bajulando a coberta
E ferindo o jornal que solto na rua
Não tem para onde ir...!
Olha o vento menina...Olha o vento menina...
(Porto Alegre,1972)