Cotidiano
Abri os meus olhos
E encarei o espelho
Do meu semblante, admirei as linhas
Rupturas do tempo
Segui
A passos lentos, afadigado
Traído por meus reflexos
Tropeçam meus pés cansados
Contudo, da fresta da minha janela
O sol me beijou com sutileza
Senti-me viva
A andei rumando às incertezas
Cá em meu bolso os anseios
Insisto rumar
Dentre faces alheias
Lá e cá, fluxo contínuo
É movimentada vida
Onde lancei-me
Paradoxo do marasmo da rotina
Essa infinita, num um existir finito
Mas não me contive
Obstinada, vivi
Dentre os concretos ante os meus olhos
Vivi sentimentos abstratos
Cativei amores
Colecionei dores, inúmeras
Senti o gosto amargo
Mas perdi inteira no doce
Senti a pele alheia
Abracei árvores inteiras
E almas quebradas
Beijei rostos com delicadeza
E também as flores
Senti-me feliz e triste
Audaz e acovardado
Eu fui, voltei
Disposto e cansado
Chorei muitas vezes
Mas incontáveis vezes sorri
Forte, fraco
Transbordei e fui vazia
Mas segui
Lá e cá eu vi
De tudo um pouco
Um pouco de tudo
E corri, frenética, contra o tempo
E declinei dos meus relógios
Parei
Cerrei meus olhos
Pensei em nada
E entendi que nada também era alguma coisa
Eu vi tanto e nem tanto
E fui o que pude
O que não pude, não me forçaram ser
E voltei-me, completa, ao espelho
E vi a vida nos sulcos profundos da minha face
Romper da minha existência.