Alarme Programado
Da janela de casa vejo e ouço o mundo, vivo, lento
Cada ruído, cada som, cada barulho, gemidos e sigilos
O vento nas frestas, assobios, o bater de portas
Os pássaros e seus cantos ao amanhecer, ao alvorecer
Os carros ligeiros aceleram e freiam, apressados, perdidos
Os passos no corredor, no vão do prédio, vazios, banais
O eco das falas noturnas rebatidos nos edifícios, sinais
O rádio ligado tocando as mesmas músicas, playlist de sucessos
Os latidos multiplicados, os portões fechados e abertos, livre acesso
A sirene anunciar o horário do almoço na Paulista, usual
A agitação no horário de pico, término das obrigações, proletariado
O grito das crianças, intervalo escolar, euforia vívida e casual
O som da chuva nos telhados, trovões, transformadores queimados
As risadas soltas, roda de amigos, momentos felizes, singulares
A queda de objetos, estouros, o tilintar de copos e pratos nos bares
Conversas inesperadas, vizinhos e pedestres mesclados, sinônimos
Briga de casais desconhecidos, ainda sim íntimos e anônimos
O silêncio repentino, estranho, o que houve? Fenômeno
Sentado ao lado da janela sou o mundo, despretensioso, atento
Sou os olhos e os ouvidos despertos para o mínimo, movimento
Daqui sentado ouço a cadeira arrastar no andar de cima, imóvel
E percebo que o alarme programado soou, momento de desativá-lo
Apenas um lembrete agendado: hora do colírio, remédio, meu diário
De observar o mundo sob um olhar oculto, não mais que imaginário.