A língua que fere
Antes de contar o que aconteceu, é bom morder a língua,
Não ficar sofrendo em sua própria malícia quer míngua,
Falou demais e então lhe contaram o bem mais precioso,
Para que não voltasse a falar senão seria mentiroso.
É uma história longa o trajeto deste jovem rapaz,
E que aos trinta e nove de tudo era capaz,
Sempre soltava serpentes de sua língua ardente,
Por mais ácida e lutuosa era bem quente.
Cercaram-lhe a língua como prova de um aviso,
Para que ficasse na sua e nunca mais desse um riso,
Precisava de muita cautela em certas vicissitudes,
Olhava ao céu e via corvos espreitarem as latitudes.
Outra língua foi ferida, porém esta engoliu o predicado,
O sujeito era tão esperto que foi total prejudicado,
É como se diz: se fere com fogo, com ele será ferido,
Foi mais justo ao seu enterro ter passeado até ido.
Agora um não tinha mais que se preocupar e outro calado,
Na sepultura lá do alto no chão via o caixão,
A confiança não ser era tamanha que selaram a sepultura,
Fizeram uma imagem e em sua homenagem uma escultura.
Lá no céu ou qualquer outro lugar teria algo dedicar,
Poderia falar por gestos sem se machucar até conversas,
Pois Deus na terra dos vivos manteve sua boca fechada,
Mas na terra dos mortos ficou com a boca escancarada.