Outros tempos

Outros tempos

Sans nous attendre tant de saisons ont passé

Les feuilles dorées s'en allant mourir à terre

Alcest – Autre Temps

Sempre fui voltado

A um passado que não foi meu.

Coloco-me, em delírio, nestas cenas

De antigas intrigas,

Num par de espaço e tempo

Como se lá estivesse eu.

Vejo os móveis antigos

Da antessala ou do salão,

Onde discutiam a inauguração

Da cidade onde vivo.

E as faces dos anciões

Agora ainda joviais, a seu tempo

A cartola e o terno,

Os perfumes e os colognes.

Homens e damas tão sérios, limpos

Folhando as páginas de um jornal,

E os namoros na praça

Da vivaz capital.

Eu, muito mais ingênuo,

Distingo o léxico

Da linguagem d’então,

E me pego em lágrimas

Com tão linda canção.

Uma moça chamada Amélia,

Conversa risonha com Adão

Sem dar-se conta

Os inocentes jovens

Do futuro que terão.

Parece-me que a sociedade

Dava mais valor às flores,

E observavam mais a vida

Longe de nossas distrações.

Então dou-me à estação

Coisa interessante e singular;

Toda esta gente e seus afazeres

Sem pensar que estão construindo

As cidades do amanhã.

Reconheço em um campo da serra

O rosto belo da minha avó:

À galope sobre o tordilho

Tal cavaleira muito mais livre

Do que as donzelas da capital.

“Vó” — Digo, e ela,

Na mais extrema confusão

Benza-se temerosa

De ter visto um’aparição.

Despeço-me, envergonhado

Destes tempos nostálgicos

E retorno amargurado

Para o atual dia e mês;

De um século sem graça

De um tempo mais moderno

De um dia menos esbelto

Que nunca me pertenceu.

Pasquali
Enviado por Pasquali em 06/03/2023
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