Sem sonhos não se vive
Passarinho canta,
Dia amanhece,
Hora de levantar.
Pensamento acelera
A cabeça me diz
"É mais seguro aqui ficar"
Respiração ofega
Começo a chorar
O medo logo me toma
Travo, não há nada a fazer,
Não consigo me levantar.
Marido me chama
E logo reclama
"Lá vem de novo você!"
"Será que nunca posso em paz o dia começar?"
Quem disse que é sobre ele?
Quem disse que tenho controle?
Quem disse que quero assim estar?
Queria não mais sentir
Mas o medo toma conta de mim.
Me arranca as pernas
Não me deixa sair.
Queria voltar novamente a ser eu
Algo em mim se perdeu.
Desde aquele dia na escola...
Desde que aquele aluno
Sua arma me apontou
Desde aquela coronhada
Alguém aqui dentro se quebrou
Estou com a alma ferida,
Machucada, dilacerada.
Passo o dia transformando
Dor em pranto
Foi bem mais que quase perder a vida
Ele arrancou minha esperança,
Meu sonho com educação
Meu trabalho preenchia meu coração
Imaginava como um distribuidor de sonhos
Ensinava a ter aspirações,
Contribuía com as projeções
Isso eu imaginava...
Hoje acho que era ilusão.
Sair da cama, para quê?
Não preciso rever as cenas
Onde o ceifador de sonhos
Não quis entender
Que na vida existem muitas rotas
E que a dele era a pior
Que se poderia escolher.
Soube ontem que esse menino,
Por vontade do seu chefe,
Foi levado a falecer.
No muro da escola,
Esse homem poderoso
Mandou escrever:
"Que sirva de lição
Bandido não tem coração,
Mas sabe o que é gratidão
Pelo local que, quando menino, o amou
E a ele soube acolher"
Estou sem esperança,
Afinal eram duas crianças
Cuja mensagem de um futuro diferente
Com honestidade, amor e paz
Não souberam entender...
Diz para mim, será que agora é capaz de me compreender?
Fala para mim,
Se fosse você conseguiria sair daqui?
Me diz o que iria fazer.