o pulguento indomável
todo fim de tarde,
como um ato religioso,
a minha vizinha abre o seu portão
e sai segurando o seu enorme cachorro
afim de uma caminhada pela rua em que moro.
e é engraçado como,
nos momentos iniciais desse passeio,
o pulguento se permite ser levado sem oferecer qualquer resistência
como se quisesse deixá-la confortável e com a ilusão do controle.
entretanto, em algum ponto aleatório dessa caminhada,
o animal na coleira revolta-se contra o animal com colar.
dali em diante, é ele quem escolhe os caminhos que os dois irão percorrer
e tudo o que ela pode fazer é fingir que está tudo bem
e acenar pra mim enquanto é arrastada por essa pequena máquina
que late com igual ferocidade para gregos e troianos
e preenche de adrenalina aqueles que circulam sobre duas rodas.
eu tenho a impressão de que algum dia ele irá levá-la ao fim do mundo,
pois já percebeu que ela não tem culhões para soltar aquela maldita corda.