Quase 30

A fumaça do meu cigarro e a do meu incenso fazem um balê aromático na minha sala.

Um calafrio de borboleta entra voando pela minha janela por onde a fumaça exala.

A garganta corta com a mudança climática e meu olho fixa na psoríase da minha tatuagem.

Coisas belas ficam feias, coisas feias ficam belas.

É difícil ser jovem, é mais difícil não ser.

Faz tempo que eu não escrevo, faz tempo que não dirijo, faz tempo que não viajo.

Percebo um zumbido no ouvido que me acompanha não sei a quanto tempo.

É chato reparar certas coisas, é pior deixar quebrado.

Escrever é um ato de morte pra mim, parece uma retrospectiva da vida.

Comprar ração dos gatos, areia dos gatos, a bombinha de asma que ataca por causa dos gatos.

E do cigarro.

Aborrecer minha amada com os devaneios da minha cabeça vazia.

Sinto sua falta.

Ela não gosta que eu fume.

De tudo que é inefável e de tudo que é impensável, um pouco.

Estraguei meu papel de parede tentando prender um quadro, moro aqui há 2 anos e já não consigo pagar o aluguel.

Vendi as coisas que comprei, gastei dinheiro que não tinha, meus amigos foram morar fora.

Meus planos parecem apenas sonhos e já vou completar 30 anos.

Eu acendo outro cigarro, mais borboletas, mais calafrios, mais incertezas.

Dormir pedindo pra não acordar, me sinto tão fraco. Isso vai passar?

É dinheiro e a falta de dinheiro, é amor e a falta de amor, é trabalho e a falta de trabalho, é a vontade e a falta de vontade.

Minha sala fede, areia de gato, cigarro, incenso, aromatizante de alfazema.

É difícil ser jovem, é mais difícil não ser.

Gabriell Araujo
Enviado por Gabriell Araujo em 23/03/2022
Reeditado em 20/09/2022
Código do texto: T7479135
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