Quase 30
A fumaça do meu cigarro e a do meu incenso fazem um balê aromático na minha sala.
Um calafrio de borboleta entra voando pela minha janela por onde a fumaça exala.
A garganta corta com a mudança climática e meu olho fixa na psoríase da minha tatuagem.
Coisas belas ficam feias, coisas feias ficam belas.
É difícil ser jovem, é mais difícil não ser.
Faz tempo que eu não escrevo, faz tempo que não dirijo, faz tempo que não viajo.
Percebo um zumbido no ouvido que me acompanha não sei a quanto tempo.
É chato reparar certas coisas, é pior deixar quebrado.
Escrever é um ato de morte pra mim, parece uma retrospectiva da vida.
Comprar ração dos gatos, areia dos gatos, a bombinha de asma que ataca por causa dos gatos.
E do cigarro.
Aborrecer minha amada com os devaneios da minha cabeça vazia.
Sinto sua falta.
Ela não gosta que eu fume.
De tudo que é inefável e de tudo que é impensável, um pouco.
Estraguei meu papel de parede tentando prender um quadro, moro aqui há 2 anos e já não consigo pagar o aluguel.
Vendi as coisas que comprei, gastei dinheiro que não tinha, meus amigos foram morar fora.
Meus planos parecem apenas sonhos e já vou completar 30 anos.
Eu acendo outro cigarro, mais borboletas, mais calafrios, mais incertezas.
Dormir pedindo pra não acordar, me sinto tão fraco. Isso vai passar?
É dinheiro e a falta de dinheiro, é amor e a falta de amor, é trabalho e a falta de trabalho, é a vontade e a falta de vontade.
Minha sala fede, areia de gato, cigarro, incenso, aromatizante de alfazema.
É difícil ser jovem, é mais difícil não ser.