Faxina

Hoje não fiz poesia ; fiz faxina,

Pois é preciso limpar o mundo da desesperança de vez em quando.

Arrastei pesados arquétipos

Pra limpar cantos onde a perscrutação

Dos olhares cotidianos não chegam.

Debaixo daquele arcabouço,

Que serve tanto pra fazer amor

quanto pra chorar a solidão,

Num cantinho enroladinho,

um poema de Quintana;

Algo sobre passarinho;

Que eu tinha perdido a muito tempo.

Na sala , sob o tapete

Um pouco de algodão

Será do elefante de Drummond?

Ao passar o aspirador nas frestas do sofá

Entre poeira, pelos e sujeira de todo tipo

Um recorte de Bukowski me saltou aos olhos,

Tinha marcas de repouso de um copo e queimaduras de cigarro.

No quarto de minha filha

Ao arrastar a escrivaninha, uma bagunça,

Vários haicais espalhados pelo chão,

Recolhi-os , eram Leminski,

enchi com eles um vidro de tampa azul,

Azul como o pássaro de Bukowski.

Ao adentrar a cozinha e arrastar a geladeira,

Bateu um vento e esparramou

Versos pela cozinha toda,

Acho que era um Pessoa,

Depois de juntar tudo

E não é que era Tabacaria.

E foi assim,

entre vassoura e rimas,

Poeira e versos,

Suor e melodia,

Aspirando poesia

E fazendo analogias,

Que terminei a faxina,

Da casa e da alma.

Pra casa sabão e água limpa,

Pra alma poesia.