E s t a ç õ e s

 

 

Deixo o mundo lá fora ... quando volto para o meu esconderijo, pequeno mundo secreto tendo por companhia somente minha alma, que nem sempre me deixa descansar, peço a ela arrego, quero ficar um tanto só sem em nada pensar, sofrer, não, não quero sentir, quero agir, tranco o portão da entrada e vou me rebuscando nos poucos detalhes que tracei, abro portas, janelas, vou deixando os ventos e a claridade do tempo entrar, coloco a melancolia para fora, hoje não dá, aponto a rua principal e digo, vá. Vá e se demore por lá. O branco da sala, sem enfeites ou coisas para atrapalhar, somente o básico, uma prateleira com os livros escolhidos a dedo, isso não pode faltar, uma parede de contraste amarelo ouro, para em dias tristes fazer a alegria voltar, vou em frente, abro as portas dos quartos, tudo arrumado como outro dia deixei, lembro a bagunça dos filhos, quando eram crianças, depois os netos que por aqui passaram, os gritos, a alegria, inevitáveis e saudosas lembranças ... como as da infância que para trás, nunca deixei. Viver as estações e suas fases, sem queixas.

Sigo, é a vida, passo pelo corredor largo, antigo, o meu quadro preferido me recebe à sorrir, gosto muito dele - você está de volta! - ele diz, e me pergunta se estou feliz. - Não respondo, essa pergunta não cabe no momento em que estou vivendo,

a felicidade é responsabilidade demais, vou escapando e ele me pergunta porquê não estou lhe respondendo. Ele nem sabe que um poema para ele, outro dia fiz. Caminho mais um pouco, atravesso a sala de jantar, que nem uso mais... as cadeiras alinhadas, mesa tímida não diz nada, deixo ela sossegar. Passo pela despensa, com poucos mantimentos, são coisas para uma pessoa só, nunca fui acumuladora. Gosto de poucos detalhes, e de organização, de paredes claras, não gosto de estampas, não gosto de muita informação, facilita a visão e a mente, coisas simples, é o que gosto mais. Cozinha ... tudo em seu devido lugar, se fechar os meus olhos, sei onde cada coisa está. Encho a chaleira, me preparo para o meu café, aquele que trouxe da serra, com gosto e cheiro de saudade das coisas que o tempo levou. Enquanto pego a caneca em preto e branco, vou para o quintal tão arrumadinho, tudo em seu devido lugar, mas tão solitário feito eu, sinto os ventos, e mais ventos, respiro, fica o banco tão branco embaixo do alpendre me convidando à sentar, olho para o céu, vai chover, é, o grilo está à cantar, hoje vou dormir cedo, antes quem sabe escrever algumas bobagens, ver um filme policial, hoje não quero romantismo, não quero mexer com o meu coração, ele anda bem cansado, batendo acelerado, precisando de fôlego, deixo quieta a emoção. Cheiro uma flor aqui, vejo uma planta que cresceu, fico satisfeita. O sono me chama, estou cansada, é longa a minha jornada. Entro e nem lembro mais se já anoiteceu, não lembro da casa movimentada, agora somos a luz de cabeceira apagada, o sono me venceu, com o frio artificial ligado, hoje não quero poesia nem outros pensamentos, é somente o travesseiro, os sonhos do sono e eu. Não adianta nos aprofundarmos naquilo que já não temos, resta agradecer por saber que os nossos pássaros voaram para os seus próprios ninhos, e que somos seres eternamente sozinhos. A vida é uma estrada de ida, e tudo vai ficando distante por demais, viver intensamente o instante, livres, imitando os passarinhos.

 

Liduina do Nascimento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Liduina do Nascimento
Enviado por Liduina do Nascimento em 15/01/2022
Reeditado em 13/09/2022
Código do texto: T7429864
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