Autojulgamento
Nada mais sincero
que se confessar aqui
(nestas linhas mudas),
um lugar fértil e aberto,
para expor o melhor da minha hipocrisia.
Tudo bem, sem fingimentos.
Mas posso fantasiar
e atuar,
e vou me aplaudir...
Não! Prometi ser sincero.
A verdade é que invejo
a loucura dos loucos.
Eles vivem numa prisão sem muros.
Eu também.
Mas são livres para se expressar,
e ter para onde ir.
Os que vivem nas ruas
são mais livres.
Ninguém os condena.
No máximo, riem de suas atitudes
adversas das nossas.
Até quem os julga
(gente como eu)
não consegue não absolvê-los,
pois não consegue fazer
nem uma coisa nem outra.
Seus pecados,
ainda que graves,
são leves.
A imaginação do louco não será julgada.
A minha sim, que pode levar
tanto à glória quanto à perdição.
Posso tentar fingir
ser louco... Posso atuar.
Contudo, o mundo não me aceitará,
esse psicólogo astuto.
Minha arte está presa
no meu quartinho.
Meus dons foram
covardemente enterrados.
Preciso seguir a trilha
mecânica dos dias.
Não há tempo para a
minha loucura dissimulada.
Não há plateia
para pregar peças.
Não há lugar, nesse mundo,
para a minha demanda.
Tampouco ninguém pode me culpar
de escolher meus erros.
De encolher meus erros...
Podem contestar as consequências,
na pior das hipóteses.
Por hora, sigo só,
sob os olhares daqueles
que eu mesmo crio.
É uma maneira simplória
de achar aquilo
que nunca perdi:
a aclamação
de um público invisível.
Estou enfadado.
Cansei de me acusar.
Mas até isso passa.
Vejo um bom momento
pela frente:
num vislumbre de inteligência,
nada mais original
que fingir
que estou fingindo ser louco.
Então,
boa viagem!