SÃO PAULO/CIDADE
Contemplando deus em janelas fechadas de um cubículo.
As luzes da cidade estalam como galhos secos sob as botas no inverno.
Ando pelas ruas e as neutras noites verticais são cada vez mais altas.
Inspiro na fome de ar e meus pulmões, alvéolo por alvéolo, desabrocham e se armam:
Respirar é um alívio.
E respiro o ar poluído pelo escapamento dos carros.
As chaminés das indústrias despontam ao chegar em São Paulo e as casas empilhadas se esparramam pelos morros.
As buzinas dos demônios me açoitam durante toda a madrugada,
afastam meu sono e
uma tempestade de pérolas de adrenalina açoita a janela numa noite de inverno.
A verdade é que a cidade faz com que eu não acredite mais nos carros enfileirados no caminho de casa,
nas bocas vermelhas de Aperol e pêssego,
nos dedos chamuscados do tabaco pungente da banca, do mais barato.
Não acredito na movimentação da Roosevelt, nas cirandas,
Nas flores, no cheiro nauseante das flores, nas primaveras e no ipê rosa.
Não creio nos pássaros e nos parques, no Ibirapuera. Tudo é nauseante e excessivo.
Vejo os anúncios de videntes e quiromantes nos postes,
Vejo as árvores sombrias, sóbrias, encurvadas sobre a rua durante a minha caminhada.
Vejo anjos disfarçados de hipsters fumando e sorvendo fumaça em caracóis do tempo
e gravetos secos, passos apressados, pressa.
Vejo palavras nos muros, desenhos e cores desbotadas.
Enquanto ando pelas ruas olho o céu rodeado de prédios e me vem a vertigem.
A náusea.
E, de longe, a ponte estaiada me fita,
os museus…
E eles tentam conter minha angústia de estar preso. São insuficientes.
O peito aperta e falta ar, o que pílulas sozinhas não sustentam.
Sento-me na cama no meio da madrugada
e a movimentação do Centro escorre pela janela.
Aqui as noites são vivas e as luzes não se apagam
para que toda sorte de criaturas se mostre presente
E afirme sua existência.
Há ruas largas emolduradas por construções,
retas e contínuas o suficiente para se ver o outro lado a partir de uma ponta.
E há ruas fechadas, prontas para me engolir numa tragada.