Penoso Aguardo

Diretamente do abismo, a lembrança nos encara 

De perto, parecia tão amiga, tão receptiva, mas de longe…

O 1° pote de bolachas, se encontra vazio

O 2° pote, se encontra meio cheio

O 3° pote, repleto de bolachas, se encontra caído, quebrado, e tudo de doce que antes possuíra, agora não passam de simples farelos, abandonados, jogados no lixo, e isso significa somente uma coisa, irresponsabilidade 

Tantos sabores, tantos desejos, simplesmente jogados ao chão 

Não é justo, pensamos 

Por que estamos passando por isso?

Punição divina?

Fim dos tempos?

Praga?

Coincidências?

Tudo simplesmente mudando de um segundo para o outro

Em outras casas, a história dos potes se repete, o 3° pote sempre cai, e às vezes, sob efeito dominó, acaba levando consigo, outros potes, e consequentemente, mais bolachas

É claro, há casas onde os potes não caem, e as bolachas continuam ali, seguindo em frente

Há casas, onde todos os potes caem e tudo se perde

Mas também há casas, em que os potes caem, mas em 5 segundos, são trazidos de volta a vida

As pessoas são como as bolachas, os potes são as ruas, as cidades, as casas, mas também são as festas, os churrascos, e os encontros

O sabor delicioso é a vida 

O sabor que você nunca mais vai sentir, é a perda

Houve-se um tempo em que a liberdade de ir e vir era completamente legal

As pipas que antes enfeitavam o céu, agora mofam dentro de casa, o pedido de licença para os garotos na rua, não pode ser ouvido 

Aquela bola murcha que rangia ao bater no seu portão, já não bate mais, e os xingos que proferia as crianças, já são tão distantes quanto as estrelas

O sorriso de uma senhora voltando da padaria pela manhã, agora é substituído por um parente enfurecido 

Você não pode ver sua boca, ela está coberta de tecido, mas seus olhos entregam os sentimentos

Ninguém está feliz

Os ônibus, antes lotados por estudantes, agora se encontram de trabalhadores e pessoas cansadas

Elas não podem parar

Elas simplesmente não podem

Quem antes se precavia, agora já não se importa mais

Quem antes não tinha medo, agora tem

O sentimento da chuva batendo contra seu corpo enquanto corre rumo ao carro,

O vento soprando seu guarda-chuva enquanto tenta chegar em segurança em sua casa,

Nada disso importa mais

O mundo está completamente parado

A casa se tornou a escola, a empresa, a igreja 

O hospital se tornou um cemitério 

As ruas se tornaram caminhos tortuosos

Você não sabe se aqueles que te amam estarão vivos amanhã

Você não sabe se aqueles que você ama estarão vivos amanhã 

Você não sabe se você estará vivo amanhã 

Porque a vida sempre foi uma surpresa

E você nunca vai saber o que vem a seguir

Exceto pelo desejo

O desejo de querer poder xingar as crianças que lhe tacam a bola surrada, o desejo de olhar friamente para um dos empinadores de pipa, o desejo de ver a senhorinha sorrir, o desejo de ver seus filhos irem e voltarem da escola, o desejo de sentir a chuva em seu corpo, o desejo de sentir a vergonha alheia de seu guarda-chuva ser levado embora

Você pode desejar 

Mesmo que esteja em casa, você pode desejar

Mesmo que esteja trabalhando, você pode torcer

Mesmo que esteja estudando, você pode querer 

Mesmo que esteja internado, você pode ansiar 

Mesmo que você esteja morto, todos vão saber que no fundo, você também desejou para que tudo acabasse

E em meio a tanta tragédia, todos ainda desejam

Todos acreditam no amanhã 

A colheita das vidas que andam e não andam mais sobre a terra, toda essa vida cultivada

Renascerá

E antes que todas as luzes dos postes se acendam de novo 

As ruas estarão vívidas novamente, o mundo estará novamente aceso

E a humanidade, de lições aprendidas!