TRATADO DA IRRELEVÂNCIA
Tudo me parece inútil
Inclusive estar escrevendo
Pra que servem as horas?
Um passo a passo ao nada
Minha memória será um borrão
Em um ano, ou menos, esquecerão
O absoluto nada que fui.
No meio de tanta ignorância
Pra que serve a instrução?
Cada cego ama não ter visão
Numa terra seca como a minha.
Tudo me parece inútil,
mas escrevo pelo fútil
desejo se ser útil.
Oh! até você terá outro
Quando sumir desse pó
Para dizer o mesmo ouro
Em nossa multidão a sós.
Talvez o inútil explique a vida
enquanto o útil a mecaniza
Se for assim a utilidade é oca
e a inutilidade, espirituosa,
a suporta gota a gota.
Nas lápides dos úteis escorrem homenagens
enquanto aos inúteis, só, um epitáfio importa:
"Fiz o que amei e amei o que fiz"
O cavaleiro branco bate à porta
Leva-me ao santuário de dura cerviz
Onde eu me sinto em voga.