Solitude
Cheirei uma carreira inteira
De solidão e insensatez.
Na boca tive o gosto frio
Da embriaguez e invernos internos
Completamente sombrios.
A pandemia do novo coronavírus
Me arrancou mais que coragem.
De canudinho em copo plástico
Bebeu meu sangue gota após litro
E de sobremesa dissolveu q
Quase tudo o que restou
Da minha bondade.
Descrever o fracasso
De amores em frangalhos
Fez de mim poeta
De linhas tortas aos montes,
Coração vacilante
Que se esconde do mundo
Navegando em rios de rimas, pronomes
E infinitas consoantes.
Toda semana
Preencho linhas imaginárias
Com palavras desconexas
Repletas de improváveis símbolos
Na tentativa palatável
De que um dia
Essa história de ser poesia
Faça algum sentido.
Hoje não sou o velho
Tenho novas formas,
Outras forças e não sei se chamo
De farrapo interno
Ou se a novidade
Em assumir toda terça-feira
Meus versos em prosa
Me fez acreditar
Que o "eu me amo"
É uma verdade mentirosa.
O autoexílio
Fez repensar gestos triviais
Há muito tempo esquecidos.
Enquanto isso,
Sinto o romper das fibras do meu peito
Por sobreviver entre as sombras
De mortos e a lucidez dos que por mim
Foram feridos.
Meu passado
sempre arrastou por mim correntes
E não asas.
Por entre o riso amargo ou pelas covas rasas
Nos quintais de barro que escavei
Ele sempre esteve a relembrar
Os corpos vazios das pessoas
Aonde silenciosamente mergulhei.
Espero sofrer apenas o necessário
Com os traumas desse isolamento,
Sentir saudades apenas do que não vivi,
E se chorar, que seja o despertar
Para um novo tempo
Sem o cheiro do medo,
De ficar sozinho;
Tampouco de viver de arrependimentos.