Certa vez, às 22:00.
Em um ponto de ônibus, eram quase 22:00 e chovia:
À beleza.
É estranho demais
Um pobre rapaz
Mal formado ao nascer
Que vistes descer
diante de si
De short bem curto
Um menino esguio e jeito de menina
Sorrindo a besta
Mal feita e formada
Achado em cesta
Chamando atenção
Dando muita risada
Apontou na calada
“Ala, oia só”
Mexendo a cabeça
Em negação
O maldito deforme
Chamava atenção
Tentava ali, sujeito ao sereno
De jeito ardiloso
Soltar seu veneno
Pra minha surpresa
Nada de mais avistava
Um jovem magrelo, roupa afeminada
Olhando pro besta
De alma minada
Nem querendo pude responder-lhe nada
Não havia de onde devolver sua risada
Olhando de frente
A besta exaltada
Minha mente fervia
Meu corpo espantava
Pensando se a besta, nem mesmo se olhava
Por sorte nem mesmo sorrir eu sorria
Então o menino muito afeminado
Seguiu no passado
Seu próprio destino
E besta abobada em seu desatino
Feio e baixo, seguia sorrindo
Meu medo era grande
E muito ligeiro
Se aquele que ria
Se olhasse no espelho
Com muito mais zelo
Guarda-se pra si
Aquele sorriso, sujo e amarelo
Que ele entregava e mostra a mim
Dos céus dizem que vem a bonança
Mas nada eu via
Além de lambança
Olhando de cima pra baixo
Diante de mim havia um lambaio
Olhando calado, só pude ouvir
E compreendi
Que quando mais feio fosse a criança
Mais dura e feroz
Seria a vingança
que lançaria a todos aqui e ali
Que Deus lá de cima veja com bondade
Que tal criatura
Carece de piedade
Hoje eu penso com muito receio
Que homem mais feio
Ainda não vi
E o pobre menino
Que andava calado
Nem pouco se lembra
Do feio aleijado.
Mas eu com desgosto
Me lembro de ouvir
Um pobre aleijado
Em seu preconceito
Tentando de jeito, se sobressair
Hoje lembro e conto aos amigos meus
Que o pobre aleijado
É cria de Deus.